quarta-feira, 2 de julho de 2008

14° Domingo do Tempo Comum (Pe Carlo)

Frequentemente, ao ler os Evangelhos, nos confrontamos com gestos que Jesus cumpre, com palavras que ele dirige aos discípulos ou à multidão, com atitudes e decisões que toma servindo ao Reino... Muitas, muitas são as coisas que nos falam do Senhor. Desta vez o Evangelista nos faz chegar perto do seu coração, daqueles afetos da alma que não são perceptíveis a todos, principalmente se a ótica coma qual se vê Jesus é aquela de um líder religioso, de um iluminado, de um filantropo. Não interessa, hoje, nada disso. O que hoje está no centro é Ele, seus sentimentos, seu coração. É essencial que, humildemente, nos coloquemos nesta dimensão que o Evangelista nos propõe, pois somente se ama uma pessoa quando se conhece por inteiro e não tão somente por aquilo que ela faça ou deixe de fazer. Conhecer a Jesus é o primeiro passo para aprender a amá-Lo. Vejamos de nos aproximar da leitura com um pouco de cuidado pedindo ao Espírito que nos dê o dom de sentir em nosso coração o coração de Jesus.
O trecho se apresenta, à primeira vista, como um desabafo de Jesus, a sós com Deus num daqueles momentos em que tudo o que corre ao redor parece estar bem longe... é certamente um momento de profunda intimidade, de comunhão da alma.
Podemos ver também um segundo aspecto: considerar a narração como um daqueles momentos em que se faz uma pausa como que puxando as redes da pescaria. É possível que seja este último aspecto o interesse da narração? Com certeza uma leitura superficial nos pode conduzir neste rumo de modo que sejamos levados a interpretar o fato como um balanço que Jesus fez e, conseqüentemente, a tirar disto um moralismo pouco produtivo. As deduções decorrentes provavelmente não passariam da deprecação dos “sábios” e exaltação dos “pequenos”. Obviamente não podemos deixar de encontrar uma parte de verdade em tudo isso mas, se assim fosse, se se tratasse simplesmente de um balanço ou de uma constatação que Jesus fez depois de ter anunciado com palavras e atos o Reino, como se explicaria a sua exclamação? O que estaria na base daquela “surpresa” que deu origem à expressão enfática de Jesus? Um texto paralelo de Lucas é ainda mais preciso quanto a isto: «exultou no espírito» (Lc. 10,21). Um balanço e uma constatação não justificam o modo de falar de Jesus, ainda mais se o balanço é, à primeira vista, negativo. Deve existir algo além disso.
Alguns versículos anteriores -deste capítulo- descrevem três efeitos da pregação de Jesus os quais, com certeza, formaram o precedente que originou o que lemos. Jesus havia percebido que a sua palavra não estava sendo aceita por aqueles que, teoricamente, deviam estar mais prontos, isto é os piedosos, os homens de bem, os “exemplos” de verdadeiros Judeus. A esta decepção se acrescentava aquela da cruel dúvida que assolava o seu próprio primo, João Batista, o qual ainda enviara mensageiros para perguntar: «É você “aquele que deve chegar” ou precisamos esperar mais um outro?». E mais ainda, até as pessoas comuns estavam insatisfeitas e desconfiadas quanto a Jesus pois, enquanto João era considerado um asceta que «não come nem bebe» -o que significaria: “um tipo estranho...”- Jesus, «que come e bebe» e, pior, é «amigo dos pecadores» é sem dúvida mais estranho ainda…
O Exclamar de Jesus se torna mais compreensível se considerarmos que o verbo usado pelo Evangelista (exomologew) para descrever Seu sentimento, que traduzimos comumente com «bendito sejas», significa “se alegrar por reconhecer”. A alegria de Jesus é associada então ao fato de que Ele reconhece alguma coisa que O deixa feliz. O quê? O atributo que Ele aplica ao Pai, isto é: «Senhor do céu e da terra», nos coloca no caminho certo.
Ao ver a reação à sua pregação, invés que cair numa atitude depressiva, negativista, própria de quem espera um resultado que não veio, Jesus se alegra porque reconhece em tudo isto o típico modo de agir do Pai. Aquilo que para a “sabedoria comum” deveria ser interpretado como um insucesso, na verdade, para quem tem comunhão profunda com Deus, só pode ser visto como um traço próprio do Seu agir, como uma característica que indica realmente que o Reino está sendo progressivamente semeado entre as pessoas. A exclamação poderia, então ser expressa deste modo: “É mesmo do seu feitio tudo isto!”, “Eu te reconheço, Pai”, “É você agindo…”. É como se de repente o que não aparentava ter sentido, o adquirisse plenamente.
Como é difícil pensar assim para nós! Tão acostumados a julgar as coisas pelos seus resultados e pior, conforme aquilo que nós achamos devam ser os resultados. Jesus reconhece que é o Pai agindo quando a satisfação humana não encontra o seu apagamento, quando no coração triunfa a liberdade também quanto aos resultados. Como é difícil não estagnar na consideração do insucesso não esperado! Talvez possamos ouvir também para nós o apelo de Jesus: «aprendei»! Mas isto exige um longo, longo caminho de comunhão com Deus para podermos reconhecer a Sua ação quando tudo parece dizer o contrário. Poderíamos pensar na mais profunda maturidade espiritual de Paulo que se expressa com palavras como: «quando sou fraco então é que sou forte» (2Cor. 12,10) ou «Fui crucificado com Cristo, não sou mais eu quem vive, mas Cristo vive em mim» (Gal. 2,20); estamos aqui diante de um homem livre! Um coração que construiu passo-a-passo a comunhão com Deus, sabe reconhecer a Sua “mão”, como se sabe reconhecer um artista de um outro, um vinho de um outro… e isto é que é impossível para quem é alheio ao assunto ou trata a relação com Deus de modo superficial. Deus é «Senhor do céu e da terra», o que significa: além do pensamento e comportamento humano. Assim é Seu estilo de conduzir as coisas. Evidentemente quando formos incapazes de construir pacientemente uma autêntica vida de amizade com Deus, os resultados negativos sempre serão tão somente resultados negativos, sem sentido, fontes de frustração e incertezas. A comunhão com Deus nos faz dizer: “é aqui que você age, Senhor. Te dou graças”.
O texto nos indica mais um elemento fundamental para o caminho da fé.
Quando ouvimos proclamar o Evangelho nas celebrações quase sempre ouvimos esta expressão: “naquele tempo…”; nestes casos é uma introdução artificial da liturgia para dar início à leitura. No entanto não é assim para o texto de hoje, pois este começa exatamente assim: «Naquele momento». Aparentemente poderia significar a mesma coisa, tanto que alguns traduzem: “naquele tempo”; mas não é assim. A primeira forma somente indica um dato temporal, a segunda indica a “qualidade” do momento, ou seja, o que está por detrás do tempo entendido como horas. Quando dizemos “naquele momento” supomos, ou deixamos entender, que algo diferente aconteceu, algo mudou. Para indicar um tempo “prenhe”, “denso de sentido”, os Escritos do Novo Testamento usam a palavra “kairoς” (kairos). Foi com esta expressão que o Anjo se apresentou a Maria dando início a um novo “tempo”. Ora, aqui já podemos encontrar mais uma indicação preciosa para o nosso caminho de fé: o tempo que nos é dado possui duas dimensões, aquela que todos vêem e podem medir e aquela que nem todos podem ver e medir. O tempo é um lugar onde Deus se deixa encontrar. Mas isto acontece uma vez que aprendemos a arte de contemplar, contemplar a Sua ação. A contemplação cristã não é um perder-se no vazio indeterminado, numa vaga e etérea sensação que nasce e morre dentro de nós mesmos. Ao contrário, é aprender a “reconhecer” -como Jesus fez- Deus enquanto age, enquanto vêm a mim num momento “denso”, “especial”, feito de eventos históricos, fatos, situações. É valorizar ao extremo cada situação, pois é esta e não outra imaginária ou esperada, que me faz encontrar e reconhecer Deus. Não é alienação, nem fuga da realidade, ao contrário, é levar a sério o que acontece, pois é isto que faz reconhecer a Sua presença e exultar por ter re-encontrado Deus cada vez.
«Aprendei» torna a dizer-nos Jesus, não é algo que se improvisa!
Mas, como “aprender”?
Eis que vem em nossa ajuda mais uma expressão de Jesus que traduzimos: «de mim». Com certeza é uma maneira possível; considerando este modo, Jesus se apresenta como exemplo, um exemplo a ser imitado nas características apontadas logo em seguida. Contudo, creio que seja mais significativo e esclarecedor para nós se dermos mais ênfase àquela expressão que está na base desta tradução: “através de mim”, “comigo”, “após mim” (em grego: ef umaς). Assim, Jesus nos sugere que se aprende a contemplar, a reconhecer a presença do Pai que age, ficando, seguindo o próprio Filho. Caminhando se aprende a andar, nunca se aprende a lógica divina permanecendo fechados em pensamentos e lógicas que não saem dos nossos critérios ou que têm estes como pontos últimos de referência.
Estar com Jesus.
A decisão de permanecer fiel quando não se entende de imediato o sentido de uma coisa, aos poucos gera dentro do nosso coração,imperceptivelmente, os mesmos sentimentos que o Filho tem para com o Pai. Ensina uma lógica nova incompreensível para a razão, mas cuja presença todos podem perceber. Viver contemplando o mundo dos homens transforma o mundo dos homens no mundo de Deus.

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