Estamos hoje na segunda etapa do caminho quaresmal que, de algum modo, quer sintetizar o inteiro caminho da vida que Deus oferece a todos nós em Cristo. O primeiro passo desta caminhada, como vimos na semana passada, consiste na adesão a Deus, adesão que passa pelo deserto e aponta para o “crer” ao Evangelho. É o primeiro momento da conversão. O texto que hoje meditamos precisa ser lido também nesta ótica; é um fato que nos reconduz à situação existencial que Deus continuamente propõe às pessoas que conseguiram dar o primeiro passo. Quanto é narrado é muito complexo e, mais complexa ainda, é a leitura em seus detalhes, fato pelo qual me permito apontar somente alguns aspectos que, espero, possam ajudar a receber com amor aquilo que Deus quer sempre nos oferecer.
A leitura que é realizada em algumas assembléias litúrgicas, infelizmente omite uma parte do versículo 2, com o qual começa a narração; é uma pena, porque esta maneira de ler não permite ao ouvinte entender o motivo, a razão da Transfiguração de Jesus, reduzindo-o assim a um simples episódio espetacular que se encerra com uma admoestação de tipo moralista. Evidentemente não era esta a intenção do Autor.
A nossa leitura começa assim: «Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João»; o episódio, então se deu no sétimo dia; seis dias depois do quê? O que acontecera seis dias antes? Bem, o leitor do Evangelho de Marcos sabe muito bem que toda a sua teologia gira em torno da profissão de fé de Pedro, isto é, daquele momento em que Pedro reconhece
Neste “sétimo dia” «Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João»; «somente eles» diz literalmente o texto. Trata-se, então de uma escolha precisa de Jesus; de algum modo Ele oferecia aos três algo que não ofereceu a todos os outros discípulos. Será possível encontrar uma motivação para esta escolha de Jesus? Creio que possamos descobrir certa analogia através da convicção expressa
Continua o texto: «os fez subir» (não: “os levou”, como se encontra em algumas traduções). Aparentemente o sentido pode ser quase semelhante, se não fosse que o verbo usado por Marcos significa contemporaneamente duas coisas: o ato de subir, isto é, um ato material, mas também o ato de oferecer, próprio do sacerdote que “sobe” ao altar para oferecer em nome do povo de Israel. Será tão difícil ver neste ato de Jesus a antecipação de sua oferta na cruz para a Ressurreição? Toda a narração do episódio está em função do mistério de morte e ressurreição, somente após o qual será possível entender o significado pleno da “oferta” que Jesus faz ao Pai. Será um forçar demais o texto se pudermos ver em Jesus uma semelhança com Abrão que oferece o filho, Jacó no monte Moriah? Eis então que se nos apresenta
Permito-me ainda apontar um último aspecto.
Era comum, na antiguidade, imaginar fenômenos chamados “metamorfoses”; a palavra (do verbo metamorfoomai) significa “mudar de aspecto”. É o verbo que o Evangelista usa e que nós traduzimos com: “foi transfigurado”. Durante a vida de Jesus a crença que pessoas pudessem mudar de aspecto e transformarem-se em árvores, animais, deuses etc. era muito difundida. Ovídio, um grande poeta Latino, entre o ano 2 e 8, publicava 15 livro de 256 fábulas com o título: “metamorfoses”. A motivação desta crença não é muito distante de outros refúgios que nós também usamos na nossa cultura. Tratava-se de uma maneira de expressar a insatisfação quanto ao sistema de vida, ao ambiente, às pessoas e refugiar-se num mundo diferente, acima e irreconhecível no mundo em que as pessoas viviam. Era como a expressão de um desejo inconsciente de não identificar-se com o mundo presente. Hoje temos outros tipos de manifestações, mas que se reconduzem igualmente ao mesmo ato de “fuga” da realidade. Pois bem, Pedro pregava o Evangelho
Por fim, gostaria de oferecer uma oração de Thomas Merton, que se inspirou muito à “montanha” do encontro com o Senhor.
Senhor Deus,
Não tenho a menor idéia de para onde estou indo,
Não enxergo o caminho à minha frente,
Não sei ao certo onde irá dar esse caminho.
Também não conheço verdadeiramente a mim mesmo,
E o fato de que penso que estou seguindo a Tua vontade
Não significa que realmente esteja seguindo a Tua vontade.
Mas acredito que o meu desejo de Te agradar
Realmente Te agrada.
E espero ter esse desejo em tudo o que fizer,
Espero nunca me afastar desse desejo.
Sei que, se assim o fizer,
Tu me guiarás pelo caminho correto
Embora eu possa nem saber que o estou trilhando.
Assim, confiarei sempre em Ti
Embora eu pareça estar perdido
E caminhando na sombra da morte.
E não temerei, porque Tu estás sempre comigo
E nunca deixarás que eu enfrente os perigos sozinho.