sexta-feira, 8 de junho de 2007

10° Domingo do Tempo Comum (Pe Carlo)

Naim, uma pequena cidade a 10 km de Nazaré à encosta do monte Moré não era na época de Jesus uma meta para um viandante. Só casualmente ou por motivos de força maior um viajante desviaria do seu caminho para entrar naquela pequena aldeia, cujo nome significa “graciosa”. Parece difícil pensar que Jesus tivesse como meta a aldeia de Naim, tratava-se, provavelmente de um desvio ocasional de caminho. Mas aquilo que poderia ter sido simplesmente um fato fortuito acabou transformando-se num dos principais gestos revelativos, colocado por Lucas logo no início do ministério de Jesus, antes da viagem rumo a Jerusalém. Nota-se imediatamente que o Evangelista não escreve: “Jesus” mas sim: «o Senhor». Isto não é uma acaso, em seu Evangelho, pela primeira vez Lucas deixa de referir-se a Jesus com o seu nome próprio e o substitui com a expressão «o Senhor». Esta tinha sido usada em outras partes do Evangelho mas sempre referida a Deus-Jhavé ou como título honorifico de alguém que se dirigia a Jesus com respeito; nunca em sentido próprio, como se fosse o nome de uma pessoa.
Sabemos que a comunidade cristã primitiva dava um grandíssimo relevo à palavra “Senhor”; esta era usada no mundo grego-romano somente para indicar o vencedor de uma campanha militar ou, em última instância para indicar o Imperador. Entende-se então o valor de forte pregnância alternativa e desafiadora ínsito no fato de os primeiros cristãos começarem a chamar “Senhor” o Cristo Ressuscitado. Assim fazendo eles confessavam que Cristo era o verdadeiro “Senhor”, em oposição aos falsos “senhores” do mundo que se impõem com os mais variados instrumentos de poder. Jesus, vencedor definitivo da “guerra” entre o mundo da morte e o da vida, Senhor do conflito que é dolorosamente sentido em todos os níveis da existência humana... é isto que iremos encontrar no texto de hoje.
O trecho sobre o qual estamos refletindo se apresenta mais como uma confissão de fé, do que como a simples narração de um episódio; visa manifestar o que Jesus é para o homem e para o mundo. Esta será a nossa chave de leitura, pois, de outra forma, a interpretação não passaria de um episódio que esgota seu significado atribuindo a Jesus um poder de curas e milagres... e nada mais. Vejamos o que o Evangelista nos diz.
Como parece, o desvio para Naim é aparentemente casual, no entanto, sugere a maneira com a qual Jesus entra em nossa vida: às vezes por fatores inesperados, circunstanciais... não importa, o que importa é que acontece um encontro, e este se torna decisivo. Em favor desta leitura, a do caráter decisivo do encontro, está o fato de que, intencionalmente, Lucas indica qual é o lugar do encontro. Quando se fala de “porta da cidade” vem à nossa mente a imagem de uma cidade cercada por muros com uma -ou mais- porta de entrada. Contudo, nenhuma escavação arqueológica realizada até agora trouxe à luz algum vestígio de que a cidade tivesse muros perimetrais; isto significa que precisamos ler a indicação de Lucas sob outro prisma. Vem em nosso auxilio o Antigo Testamento; a “porta da cidade” era o lugar onde eram realizados os julgamentos (veja, por exemplo Dt. 22,15; Jo. 5,4 etc.). À porta da cidade decidia-se se o homem imputado fosse culpado ou não e, com isto, se tivesse ou não o direito de participar da vida da cidade. O Julgamento final era também imaginado à “porta de ouro” que de Jerusalém dá para o Vale do Cédron. Assim sendo, o encontro com Jesus é, para o Evangelista, o julgamento definitivo, o momento em que se decide a sorte de um conflito entre o que atormenta o homem e o que o salva. É um encontro que acontece inesperadamente, a qualquer momento de nossa vida, sem pré-aviso e que pode modificar completamente a nossa existência.
Ali, para “a porta a cidade”, avançava um cortejo, carregado de toda a sua desolação, figura da vida humana que inexoravelmente vai na direção da “porta da cidade” com todo o seu fardo de sofrimento. É a humanidade carregada de um peso que sozinha não consegue suportar e do qual não encontra sentido. O cortejo fúnebre é a figura de uma vida que carrega em si, como por um macabro jogo, a sua própria morte. Esta contradição tem sido objeto dos principais questionamentos desde as primeiras formas religiosas que conhecemos na história da humanidade; inúmeras têm sido as tentativas de respostas, na maioria dos casos não passam de vagas maneiras de eternizar aquilo que gostaríamos que não terminasse. Mas esta atitude nada mais é do que fuga do drama da morte! É preciso recordar a nós mesmos que a morte existe, que convivemos com ela e que ela é desumana pois não condiz com a dignidade do homem. A morte percebida como fim é um trauma, um trauma que toca as convicções mais profundas de qualquer pessoa. Por outro lado, paradoxalmente, somente sabendo e tendo consciência de que há um “ultimo momento” (!) é que levamos à sério cada fato e situação da nossa vida, pois o “último momento” nos diz que “este” é o último e que não existe a possibilidade de adiar indefinidamente decisões, atitudes, relações... A morte nos recorda a seriedade da vida, a responsabilidade de viver e a pregnância da existência.
A leitura nos coloca diante de uma procissão que carrega a morte até o limite da cidade, um cortejo de pessoas convencidas que este é o destino das coisas. Um cortejo de quem não espera mais nada, onde o limite da cidade corresponde ao limite das expectativas. “Terra de esquecimento” (Sal. 88,12) era chamada a terra do sepultamento: após o último gesto piedoso do enterro nada mais restaria do que a lembrança e o paradoxo da não-vida.
Além do sofrimento devido ao sentimento de perca da pessoa amada, o Evangelista faz questão de indicar como uma cultura que é incapaz de ver a morte por aquilo que é, gera injustiças, solidão, incompreensão. Era assim em Israel na época de Jesus; embora existissem leis que teoricamente deveriam proteger as viúvas, isto de fato não ocorria, principalmente se a viúva não tivesse um filho que assumisse as defesas dos seus direitos públicos. À dor acrescentava-se a injustiça sobre os mais fracos.
Na época, o falecimento de uma pessoa era um fato social: «Grande multidão da cidade a acompanhava», diz o Evangelista. Toda a cidade se sentia envolvida no evento e participava como que numa liturgia onde cada grupo de pessoas assumia uma função: algumas mulheres choravam gesticulando e produzindo um som característico ao tocar os lábios com a mão e movimentando a língua com uma freqüência regular; alguns homens cantavam e outros tocavam instrumentos musicais. O defunto era carregado sobre uma tábua (não “caixão” –como alguns traduzem) e envolvido com uma mortalha branca, como ainda hoje se faz entre os Palestinenses. Os sentimentos de um cortejo fúnebre são bem representados por estas palavras do Salmo: «...Os meus olhos desfalecem de aflição; venho clamando a ti, Senhor, a ti levanto as minhas mãos. Mostrarás tu prodígios aos mortos ou os finados se levantarão para te louvar? Será referida a tua bondade na sepultura? A tua fidelidade, nos abismos?» (Sal. 88,9). Perguntas e perguntas com um vazio diante de si. Ao menos não se fingia diante da morte, hoje, infelizmente temos medo de olhar para ela, temos medo que as nossas crianças vejam um defunto –e damos inúmeras justificativas (quando, bem no fundo, a criança sabe como superar o impacto, mas não é o mesmo para o adulto); exorcizamos a morte tornando-a um fato banal através de filmes e noticiários sempre mais propagandísticos, de super-heróis que nunca morrem. Mas o fato é que temos medo de tocar a morte porque perdemos o sentido da vida.
No limite da porta, este cortejo se encontra com outro cortejo: Jesus e os seus. Não é difícil ver aqui a intenção de Lucas de indicar Cristo com a sua igreja, feita de discípulos –mais estritamente ligados- e de multidão indefinida. É no encontro com este segundo cortejo que as coisas mudam. Imediatamente o Evangelista apresenta Jesus com os traços que O caracterizam: «O Senhor teve compaixão». Compaixão é sentir os sentimentos do outro e vive-los “junto” com o outro. É não julgar de fora as situações mas “de dentro”, colocando-se no lugar de quem as está vivendo. Assim, Lucas nos apresenta Jesus como aquele que dá o primeiro passo em direção de quem está chorando. Chorar é a última manifestação do desespero, da impossibilidade de acreditar ainda em algo que possa porventura acontecer. O Senhor sente o que significa o sofrimento para o homem que desacredita na possibilidade de uma saída, do homem que vê a sua vida completamente à mercê da derrota final. Assim, quando o que resta é somente o peso da desilusão, “o Senhor” não deixa que isto triunfe, Ele é o Senhor ! Jesus foi ao encontro da viúva e, tocando o esquife, deu um fim a toda aquela procissão, não permitindo assim que a tristeza pudesse transpor a porta do julgamento definitivo.
A procissão parou.
Antes que a nossa última resposta seja a derrota sempre existe a resposta de Jesus.
A narração do episódio é exposta intencionalmente como anteposição ao Salmo que mencionamos acima. O encontro com Jesus é uma resposta real àquelas perguntas que, sem Ele, tinham o vazio como perspectiva. «Mostrarás tu prodígios aos mortos ou os finados se levantarão para te louvar? » perguntava retoricamente o Salmo; o Evangelista respondeu: «o que estava morto levantou» (o verbo anecomai indica “ficar ereto”, “estar em condição de se suster”); e ainda o Evangelista prossegue: «e começou a falar». Via no jovem o testemunho pessoal, o louvor feito de palavras carregadas de um sentido que somente pode entender quem já experimentou de algum modo o que significa se encontrar à beira do abismo da existência e, de repente, gratuitamente, encontrou Deus em seu trajeto. Ao seu louvor, toda a multidão do cortejo se associou como por um contagiante reconhecimento de que a última palavra não é, nunca, aquela que acreditamos que seja.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

10° Domingo do Tempo Comum

A liturgia deste domingo é dirigida diretamente a duas viúvas. Quem mais carente e desamparado neste mundo do que uma mulher viúva que perde seu filho único? A vida se esvai. A desolação é total. Por isso mesmo, a Bíblia apresenta os órfãos e as viúvas como símbolo dos marginalizados. E o amparo a eles como expressão da verdadeira religião. Na primeira leitura, temos a ressurreição do filho da viúva de Sarepta realizada pelo profeta Elias e no Evangelho Jesus chega com seus discípulos à cidade de Naim e encontra-se com uma viúva, cujo filho era levado para o cemitério fora da cidade. "O Senhor, ao vê-la, ficou comovido e disse-lhe: ‘Não choras’". Mas não ficou nas palavras. "Aproximando-se, tocou no esquife e disse: ‘Jovem, eu te ordeno, levanta-te!’ E o morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe". E todos reconheceram que Deus visitou o seu povo. Como é que estas leituras poderão caracterizar a experiência pascal da comunidade eclesial? A cena de Sarepta e de Naim repetem-se numa freqüência impressionante através da história. Dá-se no abandono das pessoas, nas injustiças, na marginalização das massas sofridas. A nossa cidade está cheia de mães viúvas, que levam seus filhos únicos para o cemitério. A última esperança de vida é tragada pela morte. Então é hora de a comunidade eclesial reagir. Importante que ela esteja a caminho como Jesus, como Elias. Mas não pode passar ao largo. Precisa parar, precisa entrar em casa, na cidade, para visitar as viúvas. Deverá como Jesus: compadecer-se, consolar, agir, ressuscitando o jovem para que o povo glorifique a Deus. Para que isso aconteça temos que ser ministros convictos e zelosos do Evangelho, deixando revelar-se em nós o Filho de Deus. Percebendo renascer a vida nos desamparados, também a assembléia eucarística poderá glorificar a Deus porque mais uma vez Ele visitou o seu povo. Ela renderá graças neste domingo sobretudo por aqueles e aquelas que, na sociedade injusta, se comprometem em defender e alimentar a vida dos irmãos necessitados. O que nossa comunidade tem feito em favor dos jovens e crianças?

10° Domingo do Tempo Comum

Senhor da Vida

A Liturgia de hoje mostra que Deus é SENHOR DA VIDA.
Ele VISITA seu povo e o liberta do pecado e do sofrimento.

As Leituras bíblicas ilustram essa verdade:
DUAS VIÚVAS, que perderam seus filhos,
foram consoladas por Deus,
através da obra salvadora de seus enviados.

Na 1ª Leitura, temos a Viúva de Sarepta: (1Rs 17,17-24)

O Profeta Elias em Sarepta recebe hospedagem na casa de uma viúva.
O filho dessa mulher adoece gravemente e morre.
Ela se sente duplamente angustiada:
pela perda do filho e por se considerar culpada da morte.

- Elias toma o menino nos braços, leva-o para o andar superior,
onde implora a Deus e lhe comunica novamente a vida.
Em seguida, desce e o restitui com vida à mãe.
É a primeira ressurreição encontrada na Bíblia.

- Diante da morte, Elias e a mulher têm atitudes diferentes:
Ela perde a esperança, sente-se derrotada e procura um culpado.
O profeta, ao invés, acredita no Deus da vida,
que não abandona o homem ao poder da morte.

* Diante de uma morte inexplicável, ou de uma desgraça,
ainda hoje, muitos falam de "castigos de Deus" e
acham que Deus manda doenças para punir os pecados.
Outros recorrem a adivinhos para descobrir o culpado.
Quem se comporta assim não tem fé no Deus da Vida.
Deus é bom e quer a vida e a felicidade de todos.

Na 2ª Leitura, São Paulo se defende de acusações recebidas.
O Evangelho, que ele está anunciando, não o aprendeu dos homens,
mas o recebeu por revelação do próprio Cristo. (Gl 1,11-19)

No Evangelho, temos a Viúva de Naim. (Lc 7,11-17)
Lucas descreve um grande acontecimento humano:
o encontro da Morte e da Vida.

+ Dois cortejos se aproximam pelos caminhos de Naim.
- Um é formado por Jesus e seus discípulos.
O outro formado por uma mãe viúva e seus amigos,
que levam um féretro para a sepultura.

- Um é precedido por Jesus, o ressuscitado, o vencedor da morte.
O outro é precedido por um cadáver.

- Um representa a comunidade cristã radiante de alegria
junto ao seu "Senhor", que a conduz à vida.
O outro é símbolo da humanidade que ainda não encontrou Cristo:
está a caminho do campo santo e vê a morte como uma derrota irreversível.

+ Os dois cortejos se encontram:
- O "Senhor" se compadece da mãe viúva
(que representa toda a humanidade abatida e desesperada),
interrompe a caminhada para a morte e diz:
- para a Mãe: "não chores mais".
- para o Filho: "Levanta-te."

O que ele faz é sinal da presença de Deus:
O pranto torna-se um canto de alegria,
os dois grupos se unem num único brado de entusiasmo,
todos glorificam o Senhor, exclamando:
"Um grande profeta surgiu entre nós e Deus VISITOU o seu povo".

* A grande novidade não foi adiar a morte por alguns anos,
mas o que o fato encerra: a morte foi vencida...
Jesus é o SENHOR DA VIDA.
Ele não abandona o homem nas garras da morte,
mas o ressuscita para que viva para sempre.

+ Esta cena se repete todos os dias:

- Há grandes cortejos cheios de mortos,
de mortos que andam e se movem, mas não têm vida:
- É o grande cortejo dos desempregados, dos drogados, dos analfabetos,
dos sem-teto, dos terroristas, dos enfermos, dos inválidos...
Cortejo que passa todos os dias ao nosso lado e não nos damos conta.

- Ao encontro dele pode e deve ir outro cortejo,
formado de pessoas cheias de vida que acompanham Cristo...
comprometidas em responder à morte com a vida.

- Em que cortejo estamos?
- Que resposta damos aos que caminham no cortejo da morte?

O poder de Jesus não se esgotou. Ele continua nas mãos de seus discípulos,
que devem continuar sua obra salvadora. E você pode ser um deles...

A Igreja nos lembra que devemos ser:
"Discípulos e Missionários de Cristo,
para que NELE nossos povos tenham VIDA".

Diante do milagre, o POVO exclamou:
"Um grande profeta surgiu em nosso meio e Deus visitou o seu povo".

Será que poderá contar conosco?

quarta-feira, 6 de junho de 2007

10° Domingo do Tempo Comum

O filho da viúva de Naim
Jesus deixa Cafarnaum e caminhando com seus discípulos chega a um povoado chamado Naim. A multidão segue com ele. Na entrada do povoado, deparam-se com um cortejo fúnebre e uma mulher chorando.
O evangelista Lucas faz uma narração perfeita do fato. Dois grupos de pessoas estão na entrada da pequena cidade. O grupo de Jesus está chegando. A viúva e aqueles que a acompanham estão saindo e realizam o enterro de um jovem carregado em uma padiola: o defunto era o filho único. Na concepção judaica, a morte prematura era tida como castigo divino. Por conseqüência, no coração daquela viúva, pesavam a dor moral de se sentir desprezada por Deus e a vergonha social de se ver castigada por todos os lados. Ela representa a desgraça e a morte. A seu encontro, vem Jesus, graça e vida. De ambas as partes, há muita gente em busca da vida e da vida em plenitude.
O Evangelho mostra a grandeza da misericórdia de Deus presente em Jesus, que se derrama tanto sobre os que chegam quanto sobre os que saem da cidade.Ao ver a dor da mulher pela perda do filho único, "o Senhor se compadece" e revela-lhe que veio para libertar a vida aprisionada pela morte.
O Nazareno toma a iniciativa e diz "Não chore!". Jesus está do lado da vida. Por isso, ele se aproxima e ordena ao defunto: "Jovem, eu lhe ordeno, levante-se!". E o jovem sentou-se começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe (15). É a compaixão de Deus se revelando à humanidade, não nas nuvens do céu, mas às portas da cidade, à margem do caminho, no meio do sofrimento e das lágrimas, no chão onde se encontram as pessoas. A viúva, com todas as circunstâncias que a cercam, personifica a humanidade, a quem Jesus foi enviado para anunciar a Boa-Nova da vida. Diante do fato, o povo, mais uma vez admirado, chama Jesus de profeta e glorifica a Deus "que visitou o seu povo" (v. 16). Na pessoa de seu Filho, Deus faz a visita da redenção e da salvação. O milagre de Jesus envolve a todos. Ao jovem, devolve a vida; à mãe desolada, refaz as razões da esperança e da vida; às multidões, a certeza da graça de Deus Pai. Assim, todos, com Jesus, puderam entrar felizes na cidade, isto é, no Reino de Deus, porque "a misericórdia de Deus se derramou sobre todos aqueles que o temem" (Lc 1,50). O que dizer dos nossos dias? A toda hora, jovens são levados ao cemitério, filhos únicos de "mães viúvas". A vida, dom de Deus, é banalizada. É preciso reagir, e como Jesus: compadecer-se, consolar e solidariamente ressuscitar esses jovens para que o povo volte a glorificar a Deus. Animados pela confiança de que a vida não será tragada pela morte, rendamos graças por aqueles que, na sociedade injusta e violenta, se comprometem em defender e alimentar o dom da vida.

"Jovem, eu te ordeno, levanta-te"

Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da IgrejaSermão 98
"Jovem, eu te ordeno, levanta-te"
Que ninguém duvide, se é cristão, que ainda hoje há mortos que ressuscitam. Certamente que todo o homem tem olhos com os quais pode ver mortos ressuscitarem da mesma maneira que ressuscitou o filho desta viuva de que se acabou de falar no Evangelho. Mas nem todos podem ver ressuscitar homens que morreram espiritualmente; para isso é preciso ter-se já ressuscitado interiormente. É mais importante ressuscitar alguém que deve viver para sempre do que ressuscitar alguém que vai morrer outra vez.
A mãe deste jovem, esta viuva, foi arrebatada de alegria ao ver o filho ressuscitar. A nossa Mãe, a Igreja, rejubila também ao ver todos os dias a ressurreição espiritual dos seus filhos. O filho da viuva estava morto com a morte do corpo; mas aqueles estão com a morte da alma.
Derramavam-se lágrimas por causa da morte visível do primeiro; mas ninguém se preocupava com a morte invisível destes últimos, nem sequer a viam. O único que não ficou indiferente diante disso foi aquele que conhecia esses mortos; só o que conhecia esses mortos lhes podia devolver a vida. Com efeito, se o Senhor não tivesse vindo para ressuscitar os mortos, o apóstolo Paulo não teria dito: "Levanta-te, tu que dormes, ergue-te de entre os mortos e Cristo te iluminará!" (Ef 5,14)

terça-feira, 5 de junho de 2007

Santissíma Trindade (Pe Carlo)

Antes de debruçar-nos sobre o Evangelho que nos é proposto, gostaria recordar algumas simples regras para podermos usufruir da imensa riqueza que temos diante de nossos olhos; tentemos seguir alguns passos que irão transformar uma leitura em oração, naquilo que a tradição da Igreja chama 'Lectio Divina', leitura orante que irá permear a nossa vida e orientar o cotidiano.
1. Não tenha pressa! Este tempo não te pertence
2. Faça silêncio dentro do coração, acalme as tensões e preocupações;
3. Agora tome consciência de que este momento não é mais um momento comum; estás de um modo especial diante de “Deus enquanto fala”.
4. Peça ao Espírito Santo que te guie no caminho;
5. Deixe primeiro penetrar afetivamente esta Palavra: é de Alguém que te ama!
6. Tente compreender o que Ele quer dizer (e nem sempre é o que EU quero que Ele diga). Esteja disposto a ouvir como um bom discípulo que não antecipa seu Mestre;
7. Agora transforme em oração de agradecimento e de pedido àquilo que Ele te sugeriu. Lembre-se que a maior alegria de um pai é quando o filho dá valor às suas palavras, peça, então que elas se transformem em vida da sua vida.
Deus te abençoe!
Santíssima Trindade

«Disse Jesus a seus discípulos: “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora. Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá na verdade inteira. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anunciará. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará, é meu”.» (Jo 16.12-15)


Apagando o Círio pascal na última celebração do Domingo de Pentecostes, recomeçamos o nosso caminho do “tempo comum”. Com esta denominação se entende todo o longo itinerário que a comunidade dos fiéis percorre deixando-se guiar pelo Espírito cuja vinda revivemos no Domingo passado. Assim, como tudo na nossa vida de fé começou com o belíssimo gesto com o qual fomos acolhidos na comunidade cristã, o sinal da cruz com as palavras que o acompanham: “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, do mesmo modo recomeça a nossa caminhada contemplando a fonte e o sentido da vida de fé: Deus Trindade. Reviver e celebrar hoje a festa da Santíssima Trindade significa recuperar a nossa identidade de fé contemplando o centro da nossa fé: o próprio Deus em si mesmo.
Com certeza adentrar-se na reflexão sobre o íntimo do próprio Deus foi um dos maiores desafios que a história da fé cristã viveu. Sabemos quanto custou e quantos problemas levantou no decorrer da história o esforço para definir de uma vez por todas o que a Igreja havia entendido sobre o que Jesus disse e manifestou sobre o íntimo de Deus. A Escritura não usa a palavra Trindade. Os cristãos precisavam de algum modo encontrar uma expressão que pudesse manifestar a síntese de tudo quanto Jesus dizia sobre Deus; assim, depois de mais de trezentos anos da morte de Jesus, os fieis conseguiram forjar uma palavra que expressasse o mais possível de perto aquilo que haviam intuído sobre Deus. Foi assim que nasceu a palavra Trindade par indicar aquilo que de Deus Jesus havia indicado. Mesmo depois de outros novecentos anos de reflexão ainda permaneciam muitas coisas não claras, precisou mais de um Concílio para tentar esclarecer o sentido de uma palavra que tenta representar, em todo o seu limite, o mistério de Deus. Afinal, como se pode pretender de reduzir aos nossos conceitos algo que os supera?
Mesmo em toda a fragilidade da nossa compreensão de Deus, alguns ensinamentos de Jesus eram claros e deviam ser levados em consideração. Primeiro, o fato que Jesus chamava a Deus de “Pai” num sentido muito diferente da maneira comum de um hebreu invocar Deus. De fato, quando um hebreu se dirigia a Deus chamando-o de “pai” o fazia entendendo o fato de que Deus havia dado origem ao povo de Israel, assim, por exemplo Is. 63,16: «Tu és o nosso pai e libertador, o Senhor!». Nunca se pressupunha uma relação pessoal, o que, ao contrário, Jesus fazia em continuação. Evidentemente usando a terminologia própria de um filho (Ab-bá=Pai) Jesus indicava que entre Ele e Jahvé existia relação específica e única. Uma relação cuja essência encontrava na expressão “filho-pai” o que de mais semelhante havia na linguagem que o homem usa. Esta maneira com a qual Jesus falava de Deus obviamente atraiu sobre si a acusação de blasfêmia. Um hebreu sequer de longe podia pensar que quanto Jesus dizia de si mesmo fosse verdade, pois eles desprezavam o mundo pagão onde era comum imaginar a existência de semi-deuses, como Aquiles. Todos os Evangelhos são constantemente permeados por um diálogo “filial” entre Jesus e Jahvé-Deus; diálogo feito de momentos de alegria, de silêncio, de sintonia, de adesão... em suma, um verdadeiro dialogo entre duas pessoas que se colocam uma diante da outra, face a face, no mesmo nível.
Entende-se como tenha sido difícil tanto para o mundo judeu, quanto para os próprio Apóstolos, conciliar duas convicções ambas verdadeiras: por uma lado os atos de Jesus manifestavam Nele as mesmas características que são exclusivas de Deus, e mais, porque Ele podia se colocar no mesmo nível do Altíssimo? Em base a o quê Jesus se apresentava em direito de modificar a Lei que Jahvé havia dado? Por outro lado todo hebreu sabia que Jahvé é Deus, o único Deus. As mais bonitas orações de Israel começavam com estas palavras: «Escuta, Israel, o Senhor é um» (Dt. 6,4). Como conciliar as duas realidades?
Mais complexa ainda se mostrava a situação uma vez que Jesus falava do Espírito de Jahvé não como uma força de Deus (o que era próprio da visão do Antigo Testamento) mas como uma pessoa; um “alguém” –como, por exemplo em Jo.14- com as mesmas prerrogativas que são exclusivas de Deus. Nunca Jesus se referia ao Espírito como a uma “força”, uma “energia” que Deus dá, mas sempre como a uma pessoa. E mais, o Evangelista surpreende quando lemos palavras como estas: «Eu pedirei ao Pai e Ele enviará para vós um outro consolador» (Jo. 14,15); ora, “outro” indica uma paridade com Jesus, alguém que pode perfeitamente se colocar ao lado dos discípulos com a mesma dignidade e com a mesma condição de estabelecer relações como as de Jesus.
Tudo isto era demais, para qualquer um! Jahvé é Deus, Jesus é Deus, o Espírito não é uma força de Deus mas é Deus !?
Mesmo que possa lembrar uma digressão dispensável, creio que seja importante levar em consideração o grande esforço que a comunidade de fé teve que fazer para compreender melhor o Deus que se havia revelado. È importante porque o esforço de compreender melhor a revelação só se faz quando se tem amor por esta. Assim, por detrás de aparentes especulações creio seja necessário reconhecer o amor que sempre a Igreja teve por Jesus buscando, em suas palavras, aquele sentido profundo que nem sempre era evidente. Ainda, considero importante recordar que a nossa fé não é uma súmula de princípios a serem seguidos, mas o caminhar de pessoas que sempre mais buscam entender o sentido profundo de algo que está continuamente em movimento.

Podemos nos perguntar porque Deus quis revelar-se assim, nesta sua dimensão que chamamos Trinitária; será isto simplesmente um assunto teórico que nada tem a ver com a nossa vida? No entanto, se Jesus nos revelou Deus assim é possível que isto signifique algo.

O texto do Evangelho pode nos ajudar.
Jesus estava encerrando a sua vida junto com os discípulos; as palavras que lemos fazem parte de um grande discurso de “adeus” que segue o lava-pés. Jesus sabia que os discípulos não teriam as condições de entender nada mais do que aquilo que já Ele havia feito. E assim foi, todos –ou quase- O deixaram sozinho depois que Ele recusou pela última vez a lógica da solução mais fácil e mandou Pedro repor a sua espada. Recusando as soluções humanas Jesus estava recusando a lógica que move a maioria dos mecanismos que o homem usa para levar a termo os seus objetivos.
Antes de deixar os discípulos, Jesus indicou que existe uma grande diferença entre as verdades parciais e a verdade que permanece: a «verdade interia». Enquanto o homem segue seus métodos nada mais faz do que se apoiar em verdades parciais, relativas a maneiras de pensar, a tempos, a condições socio-políticas, etc. Estas verdades intermediárias às vezes são tão exaltadas pelos sistemas, que parecem verdades definitivas, absolutas e, assim sendo, são impostas com todos os meios. Quantas vezes nos demos conta que coisas que eram afirmadas com toda certeza, como sendo os caminhos certos para termos um homem mais livre e senhor do seu mundo, na verdade se revelaram uma mentira arrogante e um fracasso total!
Quando o Evangelista João usa a palavra “verdade”, o faz para indicar aquilo que realmente permanece, que os tempos e as mudanças não tiram do cenário da vida do homem. O contrário é ilusório, é mentira, é engano que conduz o homem àquela morte que começa de dentro do coração e continua permeando toda parte do seu ser até destruir sua dignidade (cfr. Jo. 8,44). Pois bem, quando Jesus definiu a si mesmo como “verdade”, não o fez em sentido teórico de princípio, mas no sentido de que a verdade que permanece definitivamente é tudo quanto coincide com a vida, a morte e o sentido que Jesus quis dar à existência. Verdadeira é a história que coincide com o destino de Jesus. O resto é verdade parcial ou, até, mentira. Na medida em que o homem se associa à história verdadeira, também a sua história particular será verdadeira.
Com certeza é difícil associar a própria vida, as próprias opções às opções e à vida de Jesus; quanto mais fácil é confundir o que é intermediário com o que é definitivo! É preciso algo a mais do que um desejo genérico, é preciso algo a mais do que uma sensação. É necessária uma forte e radical decisão a qual surge espontânea quando nos sentimos profundamente envolvidos por um grande amor, pois somente o amor pode fazer com que uma pessoa supere seus limites e experimente que as suas forças são maiores do que acreditava possuir. Não é isto que uma mãe experimenta com seu filho? Soube, um dia, de uma mãe que conseguiu sozinha enfrentar uma onça que havia agarrado o seu filhinho de poucos anos.... o amor transcende os limites e nos revela aquilo que realmente somos. Pois bem, entendem-se assim as palavras de Jesus o qual alenta os seus discípulos indicando-lhes que o próprio Deus, o mesmo Amor vivo que é relação sem limites e sem barreiras, o mesmo Amor que –por assim dizer- faz continuamente transcender Deus em si mesmo num infinito dinamismo, será este mesmo Amor que os «conduzirá na verdade». Eis, então, o Espírito. Ele nos faz experimentar que somos projetados para o infinito, capazes de transcender a nós mesmos pelo amor, norteando-nos na mesma direção em que vai o destino de Jesus. O Espírito nos dá e faz perceber a força do amor do Senhor para conosco, de tal forma que sejamos capazes de apostar tudo sobre Ele.
Tudo isto é dinâmica de amor, é circulação de amor... é o que está no mais íntimo de Deus.
O texto é ainda mais profundo quando diz que o Espírito conduz «na» verdade (e não como alguns traduzem “à” verdade, como se esta fosse um objeto). Conduzir “na” Verdade, significa conduzir a pessoa “em” Jesus, “estando em” Jesus. O Espírito conduz à comunhão, isto é à destruição de limites entre o fiel e Jesus, analogamente a quanto acontece no mais íntimo de Deus, na relação de comunhão sem limites, na circulação e dinâmica viva.
Eis então que contemplar a Trindade, é saber para onde vai e por qual caminho vai a história da humanidade e a história de cada homem de fé; não é uma especulação desligada vaga, pois que uma vez que sabemos para onde vai o caminho, sabemos também como caminhar, e isto é essencial.

“Tu, Trindade eterna,
fogo que sempre ardes e não destróis;
fogo que incineras em teu calor todo egoísmo;
fogo que tiras todo frio e iluminas a alma.
O que podias dar-me ainda, se me destes a ti mesma?”

(Santa Caterina da Siena)

Deus te abençoe.
Pe. Carlo