quinta-feira, 21 de maio de 2009

Festa da Ascensão (Pe Carlo)

A festa da Ascensão que celebramos hoje é a festa daquele valor cristão que chamamos esperança. A esperança cristã não é um devaneio utópico, mas sim a atitude com a qual sabemos dar o devido valor às coisas quotidianas justamente porque sabemos aonde terminará a história e mais, sabemos isto com um penhor que nos garante de antemão que o resultado é real. Somente sabendo qual é a meta é que se sabe exatamente o que fazer. A esperança cristã faz com que o nosso modo de viver não seja casual nem movido por impulsos imediatos desconexos, os quais, às vezes, deixam uma amargura no final, quando esgotam todo o seu atrativo. Não se trata de uma alienação fantasiosa, ao contrário é a profunda capacidade de mergulhar no presente, com todos os seus problemas e dramas, justamente porque o olhar não fica preso no imediato presente.
É isto que nos dirá o texto do Evangelho de hoje. Vamos começar a nossa leitura.
Estava terminando a fase das aparições através das quais, Jesus visava educar os seus discípulos para a nova maneira com a qual Ele continuaria presente na sua comunidade após a Ressurreição. O nosso Evangelista, Marcos, encerrou a narração do Evangelho com a Ressurreição de Jesus e com o medo dos discípulos. O trecho que acabamos de ler, foi acrescentado posteriormente por um evangelista anônimo que quis explicitar a maneira com a qual Jesus estaria presente na sua comunidade e ao mesmo tempo desvincular a comunidade dos graves problemas que estava vivendo para que se projetasse na sua missão. Mesmo que tenha sido adicionado pouco depois, o trecho é considerado canônico, ou seja, que transmite fielmente o que a Igreja sentia durante o período em que os Apóstolos ainda estavam vivos. O nosso Autor anônimo retoma a narração de Marcos no ponto em que Ele a havia encerrado: a incredulidade dos Apóstolos. Marcos tinha a sua motivação para deixar o leitor com um sentimento de algo não resolvido, mas a comunidade primitiva sentia uma ligação muito forte entre o tempo que estava vivendo -tempo de dificuldades, perseguições e traições etc.- e o que era chamada a viver. Vivia o seu presente, profundamente mergulhada nos problemas cotidianos, mas sabia que aquela condição não era a definitiva. Esta tensão entre o “agora” e o “depois disso” deixava em aberto uma questão: qual é a relação entre os fiéis e Jesus, uma vez que estava clara a Sua promessa de permanecer para sempre com os seus?
O nosso Autor não indica o lugar de Ascensão como sendo um lugar geográfico à parte (como, por exemplo em Lc. 24,50), a intenção de descrever um evento não é a principal. Por outro lado ele se detêm sobre o contexto em que o fato se dá. Notamos a presença de três fatores. Primeiro: os onze estavam reunidos. Segundo: estavam reunidos à mesa. Terceiro: os sentimentos deles podiam ser resumidos com aquela expressão que Jesus usou para indicar o fechamento que afasta de Deus: “dureza de coração” (sklherokardian, esclerose do coração), que é a fonte principal do pecado. O que podemos deduzir de primeira instância? A Ascensão de Jesus, mais que um episódio de “adeus”, é entendida pelo Evangelista como uma resposta à situação negativa que surge quando o fiel sente o Senhor como se estivesse. É a resposta à tentação de olhar somente para o passado com aquele saudosismo que impede de encontrar novos caminhos. Trata-se de uma resposta que acontece dentro da própria comunidade que pode estar em crise, ferida por uma traição, envergonhada por não ter tomado atitudes apropriadas (como o foi para os discípulos em relação a Jesus), tudo isto sim, mas em todo caso é uma comunidade ainda reunida em torno de uma mesa.
De modo algum o Evangelista se refere à Ascensão de Jesus como a um egresso, pelo contrário, reforça o fato de que o Senhor continua sempre presente, atuando junto com a sua comunidade: «O Senhor agia com eles» diz o texto. Nas palavras de Jesus encontramos principalmente a preocupação para com a sua comunidade, de modo que esta não definhe sob a pressão da tentação. Sendo assim, o Senhor indica o caminho que a comunidade deve percorrer: a resposta à tentação de fechar-se é o seu oposto, é projetar-se fora de si mesma, dos seus problemas e da comiseração dos próprios erros. A saída é muito simples: «Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura! » pois será durante o caminho, quando o fiel escolhe de projetar-se fora, no mundo inteiro, atento às necessidades universais, que encontrará todas as forças necessárias para superar até os problemas internos da sua comunidade. É a estes problemas específicos que se refere, por exemplo, o simbolismo do veneno tomado num cálice. Obviamente se trata de uma figura de linguagem. O “veneno” era o símbolo da traição, pois beber a um cálice significava amizade, partilha de vida. Jesus, por exemplo, perguntou a Tiago e João se fossem capazes de tomar o mesmo seu cálice. Todavia, numa comunidade pode acontecer que alguém esconda, dentro de uma aparente fraternidade, um “veneno”. Ora, o veneno é associado à serpente indicando assim o orgulho e a presunção que geram a separação, a ruptura, a fuga. Diante disso, porém a comunidade cristã tem força maior do que a tristeza da decepção de ter sido traída.
A força que nasce do interior do cristão que se projeta fora do “seu” mundo, que olha para a meta à qual é chamado, é tamanha que ele, embora ferido, é capaz de curar as feridas dos outros. Outro rico simbolismo o encontramos na imagem das línguas novas: A diferença das línguas, na Escritura, foi sempre associada a um pecado, o pecado de pretender alcançar a Deus com os próprios meios, como narra a história da torre de Babel. Esta é a língua dos homens, os quais agindo assim “não se entendem”. Outra, nova, é a linguagem do cristão, uma linguagem capaz de ser entendida por todos. É a linguagem do Evangelho, que não é feita somente para alguns privilegiados, mas é capaz de ser entendida por todos os homens, já que parte da fragilidade de todos os homens para conduzir o homem a Deus, por um caminho que não passa pelo triunfo e o poder. É uma linguagem realmente “nova”! Não é preciso, aqui, imaginar vocabulários esotéricos, isto não faz parte da sobriedade do Evangelho, é suficiente pensar na linguagem que todo homem entende, que é a linguagem daquele amor que leva em consideração a fragilidade humana.
Uma vez dadas estas indicações o Senhor não precisaria mais estar com eles da maneira com a qual ficara até então. Todo o que era necessário tinha sido dito; a este ponto o Evangelista encerra a narração com extrema compostura: «Dito isto, o Senhor foi recebido ao céu, e sentou-se à direita de Deus ».
Creio que mereça uma pequena explicação a linguagem usada pelo Evangelista. Costumamos imaginar a Ascensão como uma “subida” para as alturas entre as nuvens. Sem negar a maneira com a qual é possível representar esta verdade da nossa fé, uma leitura um pouco mais atenta nos faz compreender melhor o que já acreditamos.
O termo (anelhfqh) usado é bastante estranho, pode significar tanto uma “subida” quanto o ato de ser recebido; mesmo assim creio que possamos encontrar um maior esclarecimento recorrendo a um antigo texto do livro de Gênese que diz respeito a um certo Henoc: «Henoc caminhou com o Deus e não foi mais pois Deus o havia tomado» (Gen. 5,24). Naquele texto se enumera os anos de vida de cada um dos Patriarcas; em todos encontramos a expressão: «depois morreu»; mas não em Enoc, ele simplesmente “foi tomado”. Deus o tomou para si, deixando aberta a perspectiva de uma “não-morte”. O judaísmo manteve sempre aberto este questionamento em seus livros espirituais (Apocalipse de Henoc), mas nunca encontrou uma resposta. A resposta veio em Jesus; este último ato, a Ascensão, sancionava para sempre a maneira com a qual Ele estaria sempre presente na sua comunidade e, contemporaneamente, presente aonde a comunidade de fé é chamada. A Ascensão se tornou a esperança garantida, a perspectiva real, a antecipação visível.
A narração utiliza a expressão: “Céu”. Esta palavra, mais do que indicar um lugar físico que não seja terra ou água, na tradição Bíblica significa o lugar onde Deus está. Ou seja, a dimensão própria de Deus, como dizia o Salmo: «Se eu subir ao céu, lá tu estás...» (Sal. 139); e ainda, «Os céus são os céus do Senhor; mas a terra a deu aos filhos dos homens» (Sal. 115,3). “Terra” e “céu” são sinônimos da dimensão humana e da dimensão divina. Jesus assumiu em plenitude a condição que lhe é própria, aquela que desde sempre e para sempre o define como Deus... aquela dimensão onde Ele nos espera, que será nossa. Em outras palavras: Jesus continuará agindo na comunidade a partir da condição à qual o homem não tem acesso, que o homem não pode compreender porque não lhe pertence. Esta condição é também o “lugar” que Deus quis desde o início para nós, porque nos fez dignos Dele.
Após a aparente derrota aclamada pelos adversários e inimigos, Jesus senta “à direita de Deus”, para indicar sua dignidade real, definitiva e eterna. Jesus assume sua realeza “no céu”, assim como bem entenderam os discípulos recordando o Salmo 11 «O trono do Senhor está no céu». Ele é rei à maneira divina!
Saber que Jesus já está onde estaremos, projeta nossos corações para o encontro com a pátria definitiva e nos permite colocar cada valor no seu devido lugar.

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