sexta-feira, 15 de maio de 2009

VI Domingo da Páscoa (Pe Carlo)

No domingo passado ouvimos o Evangelho no qual Jesus usou a belíssima imagem da videira e seus ramos. Vimos que se tratava de um discurso de adeus, um discurso próprio de quem está deixando a vida e com esta, entrega as coisas mais importantes para as pessoas amadas. Com a imagem da videira o Senhor queria deixar a entender que tipo de relação continuaria entre Ele e a sua comunidade, mesmo após a sua morte. Trata-se de uma relação essencial. Com esta imagem Jesus indicava o que há em comum na ligação entre a videira e os ramos: uma “seiva”, uma força vital geradora que encontra sua fonte nas raízes da videira verdadeira, aquela que Deus plantou, e que produz frutos nos ramos. Continuando a leitura do texto percebemos como Jesus se preocupa com a “existência”, o dia-dia dos cristãos, nos quais o Pai poderá colher os frutos da sua videira.
O centro da preocupação de Jesus agora é o Pai: como poderá Ele colher seus frutos?
A intensidade do amor para o Pai e o desejo profundo de que a obra por Ele iniciada alcance seu êxito é facilmente perceptível pela ênfase com a qual Jesus dá o seu recado com um imperativo incomum na linguagem de Jesus: «eu vos ordeno». Esta expressão Jesus a usa somente quando fala da necessidade de que o desejo do Pai possa se realizar. Ele nunca faz isto em relação a preceitos ou regras morais, mas sempre em relação à realização de um projeto maior que o homem. Ou seja, Jesus não se dá a conhecer como um alguém que traz novas regras de comportamento como já haviam feito muitos, mas como alguém que tem dentro de si um desejo tão impelente, forte, que se transforma num “dever”. Um “dever” que não nasce da obrigação ética; é uma resposta de reciprocidade. Justamente porque Jesus sente este desejo tão impelente em seu coração, que a vontade do Pai se transforma em “mandato”. Jesus revela que o recebeu do Pai (Jo. 10,18), portanto, que nasceu do Pai.
Jesus fala assim da sua missão; diz que este “mandamento” é «vida eterna» (Jo. 12,50), isto é, a vida como será na eternidade, como será para sempre. Falar, então de “mandamento” para Jesus é bem mais que a obrigação que um hebreu tinha respeito à Lei, é responder a um forte impulso que nasce de dentro do coração, quando a vontade de Deus coincide com a vontade daquele que está disposto a servir a Deus. Ora, isto só é possível quando se consegue construir um profundo e firme laço de amor mútuo, firme a tal ponto que não existam mais “duas vontades” que competem, mas uma só.
Nos últimos momentos da vida de Jesus a palavra que indica “mandamento” é usada sempre com freqüência maior. O Evangelista nos refere que durante a última ceia, depois de ter lavado os pés dos discípulos e feito o seu último gesto de amor para Judas, Jesus falou novamente deste “mandamento”: «Vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros». O gesto de lavar os pés e o de dar um pedaço de pão para Judas, foram entendidos muito facilmente pelos discípulos, acostumados com a força da linguagem simbólica. Em dois gestos Jesus havia qualificado em que consiste o amor: serviço humilde e perdão.
No texto do Evangelho de hoje, Jesus fala novamente deste mandamento.
Notamos que inicialmente Ele usa o termo ao plural: “mandamentos”. Precisamos aqui supor mais uma série de preceitos? Obviamente não, não é esta a ótica do Evangelista. Digamos que a única vontade de Jesus precisa se expressar em situações contingentes e imediatas, as quais exigem respostas que coincidam com o desejo de Deus. E estas são muitas. Da mesma maneira a nossa vida é uma seqüência constante de situações às quais precisamos dar sempre respostas; ora estas não devem partir de princípios, mas precisam ser dadas a partir daquele sentimento que nasce em nosso coração quando a nossa vontade coincide fundamentalmente com o desejo de Deus. Guardar os mandamentos, então, significa fazer tesouro das respostas que Jesus deu às situações práticas, imediatas que a vida Lhe ofereceu enquanto vivia a Sua missão, o Seu “mandamento”. Àquele que conseguir «guardar» como coisa preciosa as atitudes de Jesus, o Senhor garante duas coisas: que «permanecerá no amor» e que descobrirá o amor «como» o Pai o entende.
A importância deste verbo, “permanecer” é tal que o Evangelista o utiliza ao narrar do Batismo de Jesus dando o testemunho de João Batista: «Vi o Espírito descer como uma pomba e permanecer (do verbo gr. menw) sobre Ele» (Jo. 1,32) e em outros importantes contextos. Dentre estes gostaria de lembrar quando Jesus falou em Cafarnaum após a multiplicação dos pães, no famoso discurso do cap. 6 que ocasionou o abandono de um grande número de discípulos. Foi nestes termos que o Senhor manifestou esta realidade: «Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele.» (Jo. 6,56). Não se trata de um simples “ficar” ao lado de alguém; o sentido último da palavra é: “existir com”. É um “existir”, com alguém. Ou seja: toda a minha existência tem sentido porque “alguém” está comigo. O contrário, o grão de trigo que não é lançado à terra, este “permanece” só, insignificante, em outras palavras: deixa de existir (Jo. 12,24 usa o mesmo verbo).
Ora, acabamos de ler que Deus deseja «um fruto que permaneça».
“Frutos que permaneçam”, então, são os frutos que Deus poderá colher da sua videira feita de raízes, caule -o Filho- e ramos -a comunidade de fé-. Como não ver aqui a grande dignidade à qual Jesus eleva aquele que se dispuser a trilhar o Seu caminho? Assim fazendo Ele nos eleva a colaboradores constitutivos do mesmo projeto do Pai pelo qual o Filho deu a sua vida. Não é algo fascinante? E mais encantador é ouvir estas palavras: «Fui eu quem vos escolhi… »! “«Fui eu», sim, «Fui eu», não um qualquer. Eu que sei o que o Pai deseja, escolhi vocês, independentemente daquilo que vocês pensam de si mesmos, independentemente daquilo que sabem ou não fazer, eu, simplesmente, escolhi”. “Quer confiar na minha decisão?”.
Repete-se em nós o sentimento de Maria que viu a grandeza da missão e contemporaneamente a limitação que carregava em si.
A resposta sem condições, o desejo de se dar sem querer nada em troca é o que está por detrás da palavra “amor” (agaph) usada neste trecho. Este amor é o amor «como o Pai ama o Filho» e «como o Filho amou os seus» (cfr.). Um amor que dá, sem querer nada em troca. É um dar, não desperdiçar, nem jogar a vida. É “dar”, decidir de dar, numa atitude continua de atenção ao projeto de Deus, o qual impele como um “mandamento”. Viver este amor que dá, permite que se realize em nós aquilo que é indicado com a palavra “permanecer”, permite que Deus possa colher seus frutos como Jesus desejava. Permite viver, porque a vida do homem está na sua opção radical de fazer comunhão, responder com reciprocidade, dar sem cobrar.

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