quarta-feira, 26 de março de 2008

2° Domingo da Páscoa (Valmor da Silva)

Comunidades pascais

Quando a dúvida, a tristeza ou a depressão querem tomar conta das pessoas, Jesus ressuscitado mostra suas chagas e diz: “Põe teu dedo aqui... não sejas incrédulo, mas crê” (Jo 20,27). Quando a comunidade está de portas fechadas, com medo, Jesus ressuscitado ordena: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (v.21). Quando as nações estão em guerra, Jesus ressuscitado se apresenta diante delas e propõe: “A paz esteja convosco” (v.19.21.26).
São assim as nossas comunidades de hoje, como as dos tempos dos primeiros discípulos. Há desânimo, dúvidas de fé, interpretações confusas, propostas sem sentido, projetos contrários ao Evangelho. Em nossa sociedade não é diferente. Há doenças, assaltos, corrupção, injustiça e guerra. Cada comunidade cristã deve ser um foco de protesto contra toda essa situação. O Evangelho de hoje nos recorda as armas mais importantes para esta ação cristã.
Para começar, vem Jesus, “pondo-se no meio deles” (v.19). Ter Jesus como centro de nossas comunidades é o começo de tudo. Não se pode construir sobre outro fundamento que não seja o Jesus ressuscitado.
O primeiro dom do ressuscitado é a paz. No breve trecho do evangelho de hoje, por três vezes Jesus repete: “A paz esteja convosco”. Desejando a paz, ele havia se despedido rumo à paixão (Jo 16,33). Agora volta, com a mesma paz, tendo superado vitoriosamente a morte, e rompe, com este gesto, o medo que ainda prendia os discípulos.
Porém uma vez recebida a paz de Jesus, a comunidade é convidada a abrir suas portas e a vencer o medo. “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (v.21). O sopro de Jesus recria a comunidade, transforma aquelas pessoas em novas criaturas, prontas para vencer a luta contra o pecado. Como no início, o Criador soprava o hálito vital sobre a humanidade, Jesus agora sopra o seu espírito para formar novas criaturas, livres e corajosas: “Recebei o Espírito Santo”.
O dom da paz e o sopro do Espírito refazem a comunidade e a preparam para a missão. Após o dom da paz e do Espírito, a comunidade abre-se para um espaço de perdão dentro do qual as pessoas livram-se das amarras do pecado e passam a viver uma vida nova. O perdão torna-se de fato uma ação terapêutica de libertação pessoal e comunitária.
O Ressuscitado porém não é uma ilusão. A ressurreição está ligada à realidade da cruz. Por isso Jesus mostra as marcas dos cravos nas mãos e da lança no peito. Ele é glorioso e vencedor, mas conserva os sinais da cruz e da dor. Essa é a realidade que fortalece a comunidade. Jesus está vivo, ressuscitado em nosso meio, mas os sinais da paixão continuam nos incomodando. É preciso perseverar na luta para ver a vitória definitiva.
Enfim, entra em cena Tomé. Dentro de sua comunidade, ele percebe a presença de Jesus ressuscitado. Tomé quer tocar o Cristo glorioso, ressuscitado, mas apalpa as marcas do sofrimento. Ele tornou-se o modelo da pessoa que precisa ver para crer. Mas seu exemplo é positivo para quem busca comprovar os fatos, buscar provas, confirmar as verdades. Mais ainda, diante das evidências, Tomé se rende e adere com a mais alta confissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus” (v.28). Jesus aproveita a confissão de Tomé para lançar uma bem-aventurança sobre todos nós: “Felizes os que não viram e creram”.
Nós estamos vivendo este tempo pascal, de felicidade. Os olhos da fé nos permitem crer, após séculos de testemunho de outras pessoas que experimentaram a mesma felicidade. Essa fé nos permite ouvir o convite para a missão: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio”.
A fé na ressurreição não pode ser desligada da fé na cruz. Como afirma a segunda leitura de hoje, nossa fé é “mais preciosa do que ouro que perece, cuja genuinidade é provada pelo fogo” (1 Pd 1,7). Essa prova de fogo consiste em superar as adversidades de nosso mundo e lutar por um novo modelo de sociedade, dentro dos parâmetros da paz.
A liturgia nos fornece um modelo exemplar, na segunda leitura. Traz um retrato das primeiras comunidades cristãs, de Jerusalém. “Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações” (At 2,42). São atitudes concretas para experimentar a fé na ressurreição e que se constituem em testemunho concreto diante das demais pessoas. Certamente era um modelo de comunidade que questionava profundamente os padrões da época. Temos carência, em nossos dias, de mais comunidades que “ponham tudo em comum”, “dividam os bens segundo as necessidades de cada um” e “partam o pão pelas casas”.

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