sexta-feira, 13 de junho de 2008

11º Domingo do Tempo Comum (Pe. Carlo)

O chamado de Mateus, que foi objeto da nossa atenção na liturgia do domingo passado, nos ajudou a entrar em contato com o sentimento de Jesus, o qual decidiu oferecer uma vida nova ao cobrador de impostos. Nos ajudou também a compreender alguns aspectos de sua relação de misericórdia e compaixão para com os que erraram, em seu caminho. Mais uma vez a leitura de hoje nos propõe a compaixão de Jesus como um dos sentimentos que regiam suas atitudes em relação às pessoas.
O Evangelho nos conta que Jesus já havia realizado algumas curas, trazido de novo à vida uma menina, expulsado um “demônio” mudo etc. Gestos realizados por solidariedade à condição de sofrimento do homem; gestos que não visavam de modo algum publicidade transformaram-se de repente em esperança para multidões de pessoas. Era a esperança que sempre está acesa no coração daqueles que não obstante tudo continuam acreditando que Deus sabe surpreender. As multidões, apinhadas, desorganizadas, caóticas, barulhentas, não tinham grandes sentimentos religiosos, tanto quanto os homens piedosos de Israel. Eram como as multidões de hoje, onde esperança e fé se misturam sem poder distinguir uma da outra. Eram as multidões que se formam toda vez que se re-propõem os dramas em que as pessoas estão mergulhadas; multidões de pessoas que precisam da força do número pra não se sentirem sozinhas em viver problemas maiores de suas forças. Multidões que clamam, invocam antes de tudo atenção à sua condição. Multidões que, bem lá no fundo, nos recordam que sofrem, que é a humanidade que sofre e não somente o individuo.
Nenhuma razão consegue explicar os pés feridos, enfaixados com panos improvisados por uma mulher que, junto com outras mulheres, carrega ao colo por mais de cem quilômetros o próprio filho para apresentá-lo ao Senhor num Santuário. Deus não está presente em todo lugar? O que é isto de levar uma criança por tanto tempo no colo expondo-a às intempéries? O que interessa a Deus tudo isto, não é melhor se comprometer e trabalhar para.... É bem isto que também um “piedoso” judeu diria àquelas multidões; faria os mesmos nossos comentários. «Tendes seis dias para fazer-vos curar, porque vindes no sábado?» disse uma vez um piedoso judeu. As multidões têm uma lógica diferente que não se encaixa em parâmetros comuns e previsíveis... mas elas são autênticas em sua busca, quando esta não é manipulada ou provocada. É a esta busca que precisamos dar atenção, porque ela nos diz respeito aos dramas do homem e a seus anseios.
«Vendo as multidões Jesus teve compaixão»; Jesus deu atenção, «viu» (no sentido que nós já conhecemos) e se deixou envolver pelo sofrimento que estas expressavam como que através de um grito comum que superava os clamores de cada um. Quando nos deixamos envolver, sabemos partilhar os sentimentos a partir do lugar donde estão as pessoas; isto é ter compaixão, não é uma concessão “beneficente”. A compaixão permite superar os limites impostos pelas “motivações”, pelas “razões” com as quais pretendemos avaliar os fatos; isto porque esta trilha caminhos diferentes, que alcançam diretamente o outro naquilo que sente e não naquilo que pensa; ... e o homem é o que sente, não o que pensa.
Ao ver as multidões Jesus não as enxerga como um problema a resolver. Jesus não se coloca como alguém que está diante de uma “pressão popular” –já que é tão fácil hoje transformar um sentimento autêntico num instrumento de opinião- frente à qual deve posicionar-se. Jesus as vê «cansadas e abatidas», com certeza, mas interpreta isto como a «colheita» do Pai. Ou seja, algo positivo. Jesus está diante do fruto, do resultado da obra paciente do Pai que sempre semeia nos corações das pessoas, mesmo através de suas lágrimas, a fim de que nunca, mas nunca, estas morram definhando em seu coração. Quando um espírito está apaziguado, conformado, satisfeito ... começa a morrer; somente procura manter sua posição alcançada e defende-la a todo custo, por medo de ter que recomeçar tudo de novo. O desejo, o anseio, o cansaço esperançoso são os sinais de vida que existem nos corações, mesmo quando buscam sem saber o que procuram, como por um tênue, vago objetivo; sem rumo certo, como «ovelhas sem pastor».
A compaixão, em Jesus, se transforma em comoção, diante da obra do Pai e da resposta dos simples que se perdem no anonimato, que não fazem falar de si. É deste modo que o Pai age, sempre, hoje. Trata-se de uma ação discreta, sem alarido como as coisas mais bonitas da natureza, como o nascer do novo dia e o despontar de um broto numa terra seca. Deus usa dos meios mais impensáveis a fim de que nos lembremos sempre que a lavoura não é do homem com seus instrumentos e técnicas –até religiosas- mas é d’Ele. Isto é alegria para Jesus. É a colheita da messe. Aos «seus», Jesus ofereceu «gratuitamente» partilhar desta colheita.
Os anseios, todavia, devem encontrar resposta adequada para não se transformarem em decepção e tristeza que aprisionam o homem a seu sofrimento. Jesus vê a urgência e necessidade de que as multidões não caiam nas garras deste demônio que prende ao sofrimento invés que ser um caminho para um encontro mais autêntico com Deus. Tal urgência nos é sugerida pelo verbo usado pelo Evangelista ao indicar o ato com o qual Jesus se dirige aos seus. È muito significativo que o verbo usado não significa simplesmente “chamar” no sentido de “convidar”, mas sim “convocar”; convocar como se convoca um soldado em reserva, como se convoca uma assembléia para algo urgente.
Aos discípulos Jesus entrega este sentimento de urgência, a fim de que quanto Pai semeou não se perca. Os que buscam, movidos pelo impulso da vida e da sua história, na qual o Pai age, devem encontrar significados. O discípulo poderá ajudar a encontrar significado da história e da vida das pessoas que se perdem na multidão; poderá derrotar qualquer demônio que se esconda debaixo da doença, ou sofrimento que for e que afastam de Deus. Ao discípulo Jesus entrega a tarefa de dar o testemunho de que é exatamente ali, onde não parece ter um sentido, que o Reino está; perto, bem mais próximo do que parece, porque ali onde ninguém espera, Deus se deixa encontrar.

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