quarta-feira, 17 de setembro de 2008

25º Domingo do Tempo Comum (Pe Carlo)

É comum que Jesus elabore suas parábolas a partir do contexto da vida cotidiana, quase a deixar entender que o Reino de Deus, -a nova relação oferecida aos homens- é algo que se encontra profundamente mergulhado na vida do dia-a-dia, que se confunde com as coisas que estamos costumados a ver, que é mais perto do que podemos imaginar. O Reino não é uma ideologia, pois esta se coloca em nível de princípios ou metas a serem alcançadas por uma praxe, assim por exemplo a justiça, a paz, a solidariedade etc. Não se trata nem de uma outra religião ou forma religiosa, pois toda religião parte do pressuposto de apresentar-se como um caminho para alcançar a Deus através de algumas práticas que se direcionam a Deus e aos homens. Em ambos os casos existe uma meta a ser alcançada e um método para obter o resultado esperado. No entender de Jesus, o que dá felicidade ao homem é uma relação própria com Deus qual a parábola de hoje visa explicitar alguns aspectos, e que não se obtêm em força daquilo que alguém faz ou deixa de fazer. Veremos como as “metas” não representam o essencial da parábola, nem os resultados, mas sim, o que é gerado ao longo de uma história é quanto pode fazer a diferença.
O quadro se nos apresenta como numa das tantas madrugadas do período em que a safra precisava urgentemente de operários, como bem o sabem todos os agricultores que correm o risco de perder sua colheita de uva se acaso começar a chover uma vez começada a safra. Ali, em pontos conhecidos da cidade, os que precisavam de trabalho sabiam que alguém viria oferecer-lhes o que era necessário para a sustentação de suas famílias, o que era essencial para suas vidas. Era a época da colheita, como as circunstancias nos sugerem. Jesus sabia que, ao falar em “vinha”, qualquer judeu recordaria o belíssimo simbolismo que nas antigas Escrituras comparava Israel a uma “vinha” que Deus havia plantado com atenção e carinho, cuidando e protegendo-a dos animais selvagens, uma vinha na qual Ele, por primeiro havia trabalhado longamente. Aquela vinha da qual Jesus falava com a parábola, era o símbolo daquilo que pertence a Deus; naquele símbolo estava presente não somente Israel, mas o homem realizado. É para aquele homem que convergiam o esforço e as esperanças do Senhor.
Era a época da colheita, a época da alegria, a época em que qualquer pessoa sensível fica admirada com a imutável e constante generosidade da natureza. Na parábola, transparece a urgência do proprietário da vinha para que a sua colheita seja encerrada, a urgência de que todos possam ver a beleza de sua vinha. Hoje, infelizmente, perdemos grande parte dos valores ligados à colheita, pois a dimensão econômica sufocou coisas bem mais valiosas. Contudo, ainda alguns tempos atrás, a colheita era celebrada também em nossas terras como uma festa; o “quanto” tivesse rendido era muito relativo; a festa era a parte mais bonita do evento da colheita. Também na época de Jesus a festa era bem mais importante do que aquele ídolo que chamamos “quanto” e com o qual medimos tudo. A festa era dada para todos os que haviam trabalhado os quais, junto com o dono, eram os protagonistas da festa; para ela também outras pessoas, vizinhos, parentes etc. podiam ser convidados, mas os protagonistas eram o dono e os trabalhadores, os quais sentavam junto à mesa tomando do mesmo vinho, o do ano anterior. Entende-se assim como a parábola quer superar a simples relação trabalho-resultado, sugerindo-nos que o Reino de Deus não se limita numa relação pela qual o homem faz algumas coisas e Deus dá algo em troca. Esta é uma barganha mesquinha, mesmo que mascarada por alguma forma religiosa. O que Deus quer é algo bem maior, é ver sentados à mesa, junto de si, na dignidade de protagonistas, pessoas que pouco antes estavam sentadas nas calçadas, esperando a possibilidade de ter o mínimo suficiente para o sustento.
Algumas expressões dos Evangelhos, nos sugerem que a idéia de “vinha”, para Jesus, superava a imagem do Israel do Antigo Testamento para se abrir à humanidade inteira, ao mundo. A vinha é então o nosso mundo, e neste mundo Deus trabalha sempre, Deus age de inúmeras formas para que o homem possa ser existencialmente o que essencialmente é. A parábola é endereçada então àqueles que são chamados a colaborar com Deus para que aconteça a “festa do reino”. Que se trate da Igreja inteira? De algumas pessoas dentro dela? Ou talvez as duas coisas juntas? O certo é que Deus convida alguém para partilhar a alegria de colher os resultados daquilo que Ele faz em todos os homens. Deus confia esta tarefa à comunidade cristã a qual tem, hoje como sempre, a missão de recolher, de receber todas as pessoas que, depois de tantas vicissitudes através das quais Deus moldou seus corações, chegam a buscar um novo sentido para as suas vidas; pessoas que alcançam a maturidade própria daqueles que aprenderam a reconhecer para onde vale a pena orientar a própria existência.
O Senhor não convida simplesmente para o trabalho, mas para participar da festa. Contudo, é o trabalho que antecede a festa que determinará se o Reino está presente ou não no coração de pessoas que desenvolvem o mesmo trabalho. Quando se encontra a gratidão ali está também o Reino, quando se “resmunga”, ou se “reivindica” algo perante Deus, ali está o nosso “eu” que senta no trono de Deus. Trabalhar para o Senhor, logo, não é sinônimo de possuir o Reino ou dele participar; alegrar-se com a bondade do patrão que «faz chover sobre justos e injustos» (Mt. 5,45) isto sim.
Se levarmos em consideração que, conforme a crença da época, algumas horas do dia correspondiam às idades das pessoas, a parábola indica que Deus chama o homem a qualquer idade, tanto que esteja se abrindo ao dia quanto que esteja perto da última hora, ninguém está excluído da possibilidade de participar da festa da colheita; em todos o Senhor vê somente se a pessoa está em atitude de espera, mesmo que até a última hora o operário não tenha encontrado quem o chamasse. Tanto o jovem, rico de perspectivas, quanto aquele que viu passar sua vida sem conseguir dar para alguém o que possui, quanto aquele que vê aproximar-se inexoravelmente o fim das esperanças de dar um sentido à sua espera, para todos o Senhor se faz presente. Decorrente disto, a parábola apresenta algumas circunstâncias que provocam três relações diferentes entre os operários e o proprietário. Com os primeiros, que se sentem privilegiados, pois era costume que se escolhessem os operários mais fortes e saudáveis, o proprietário estabelece um contrato, promete o que os operários esperam como seu direito. Aos segundos, o proprietário chama prometendo «o que for justo» sem definir do que se trata; este modo de fazer deixava espaço a qualquer expectativa, a única certeza dos operários era a palavra dada e a certeza da lealdade do senhor, mesmo que ninguém deles esperasse uma diária completa. Aos terceiros o senhor não promete nada; mas chama também aqueles que ninguém pegou talvez porque já suas mãos não podiam suster o peso de um barril de uva. A estes restava uma outra, ultima, perspectiva, a de confiar na bondade do senhor que daria “algo” em troca do pouco que podiam oferecer; mas sem muita certeza nem possibilidade de arrogar direitos. Três comportamentos do proprietário e três relações diferentes possíveis nos corações daqueles que trabalham para o Senhor: agir movidos pelo direito adquirido, já sabendo o que se vai receber, agir movidos pela confiança na fidelidade do Senhor, agir entregues à sua bondade.
Embora estivesse pronta para todos somente alguns foram à festa. Os que endureceram seu coração, preocupados somente com o próprio direito, receberam somente o próprio direito, pois isto lhes havia impedido de partilhar a alegria daqueles que não esperavam muito, e receberam mais do que esperavam. Aos que «resmungavam» o senhor convidou para pegar o que queriam e ir embora… ricos somente do próprio “direito”. Pois não haveria espaço, clima, para esta mentalidade numa festa onde todos se alegram uns pelos outros; numa festa onde o “quanto” não existe, numa festa onde a dignidade de poder ser protagonista não é negada sequer a quem jamais o esperaria. A todos os outros foi entregue a riqueza que vale mais do que a diária: todos descobriram quem é, de fato, Deus. Nisto consiste o Reino, na paixão amorosa entre Quem dá largamente e quem se sente, gratuitamente, objeto daquela bondade que supera o direito. O Reino é alegria de ver o outro -que Deus ama- feliz, é amar o que Deus ama.

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