sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Solenidade de Cristo

Com a leitura deste trecho, o Evangelista Mateus encerra a narração das obras, dos milagres e das palavras de Jesus. É como se com esta última imagem Jesus quisesse completar tudo quanto era em sua intenção revelar-nos sobre Si, sobre o Pai e sobre o homem. Da mesma forma a liturgia nos propõe o mesmo trecho como encerramento do ano litúrgico em que celebramos e revivemos a presença de Cristo hoje, em sua Igreja.
O texto é apresentado segundo um clichê muito comum no Antigo Testamento, na mesma forma com que os profetas, em determinados momentos da história de Israel, queriam fazer um balanço da caminhada e das relações entre Deus que propõe e o homem que responde (assim, por exemplo, Is. 41; Jer. 2 etc.). A forma é aquela de um julgamento.
Porque um julgamento? Pois bem, os profetas sempre se colocaram diante de Israel como espelhos da verdade, ou seja, como testemunhas de que o projeto de Deus irá se realizar, independentemente de qualquer inimigo tanto humano quanto demoníaco; isto porque possui força própria e terá exatamente o desfecho que Deus tem previsto, mesmo que o homem queira tirar o próprio Deus de sua história.
A vida, a história humana e a história salvífica são algo de objetivo; elas não mudam porque nós achamos que.... ; elas são superiores a qualquer homem e qualquer ideologia.
Num mundo subjetivista como o nosso, é facílimo iludir-se de que a realidade que nos captamos e o que não cai sob os nossos sentidos, seja a única; o resto simplesmente... não existe! O esquema do “julgamento” adotado pelos profetas e por Jesus, nos recorda que a verdade é uma só. É diante desta verdade objetiva, que leva em consideração todos os homens (e não somente alguns) com seus dramas e situações, que cada um verá e conhecerá a si mesmo.
Segundo a imagem que o Evangelho nos propõe o julgamento é instaurado em forma definitiva; a expressão «sentar no trono» é própria da situação em que se emite uma sentença definitiva com toda a autoridade. Tanto que seja aceito quanto que seja recusado pelo homem, Jesus sentará em seu trono como “Filho do homem”. Esta nomenclatura um pouco estranha é a única que Jesus gosta de aplicar a si mesmo; tem suas origens no livro de Daniel (cap. 7) e indica um personagem esperado para os tempos definitivos, um personagem escatológico que une em si mesmo a dimensão humana e a origem divina. O “Filho do homem” será o mediador do julgamento definitivo -segundo Daniel- pois, ele possui o poder da verdade a qual é única capaz de desmascarar o que é falso, ilusório, passageiro. Jesus compreende a sua inteira vida à luz do julgamento definitivo sobre a mentira, julgamento que será realizado demonstrando ao mundo até que ponto se pode amar: esta é a verdade e sobre esta também o mundo pronunciará um juízo sobre si mesmo.
Desta sua posição de Filho do homem, Jesus irá exercer também um julgamento. Vamos acompanhar a leitura do texto.
Diante do Rei está todo e cada homem (“todas as gentes”, diz o Evangelho), os que conheceram o Evangelho e os que nada sabiam de Jesus. Ele separará duas categorias de pessoas; a uns chama para viver do reino preparado pelo Pai desde a eternidade, para partilhar da vida do Pai; a outros expulsa deste projeto uma vez que este mesmo projeto não fez parte de suas vidas. Cada um encontrará em modo definitivo o que buscou. Este é o julgamento. Mas qual o critério de julgamento?
Sem dúvida não se trata de ações grandiosas, o Evangelho fala de coisas quotidianas, da vida comum do homem comum. Não são as grandes coisas que se tornam critério de avaliação, talvez se trate de algo mais.
Mesmo que aparentemente se enumerem algumas das ações das obras de bondade que são praticadas pelo “justo” (são estas as ações próprias do homem que segue o caminho com Deus, obras que vêm da tradição de Isaias e do livro de Jó) de fato a sentença não é emitida em base à quantia de obras realizadas. Não somos “benditos do Pai” porque fazemos obras; esta convicção era tipicamente farisaica e reprovada inúmeras vezes por Paulo -como nas cartas aos Colossenses ou a Tito. Podemos perceber que, tanto os que cumpriram as obras quanto os que deixaram de cumpri-las, fizeram a mesma pergunta: «quando é que nós fizemos.... (deixamos de fazer)?» Uns e outros não se deram conta, não decidiram de “fazer” ou “não fazer”; logo, o que está em jogo é algo que ultrapassa uma decisão racional.
O que está em questão é bem mais do que as obras: é a atitude fundamental da vida, pois é desta que provêm as a obras. A relação com Deus, cultivada e construída com o tempo e o amor faz com que aos poucos os sentimentos de Jesus, o seu “espírito” entre a fazer parte do nosso “espírito” assim, também nossos gestos refletem e, até, podem corresponder plenamente às atitudes e gestos de Jesus. Ora, se na vida o objetivo foi outro é evidente que o mundo possa passar despercebido ao nosso redor, os sentimentos, as dificuldades dos outros nunca serão os nossos sentimentos, as nossas dificuldades. O mundo do outro será sempre o mundo do outro. Sendo assim, como poderia surgir a necessidade de agir por amor solidário com o mais frágil? A palavra que o Evangelista usa: «pequenos» (elacistoV) deve ser traduzida com “insignificante”; assim se compreende o sentido da parábola: quando uma pessoa possui si mesmo como centro de sua vida tudo que está em torno é “insignificante”, mas Jesus se identificou com o que é “insignificante” para os “grandes”. É assim que o homem pronuncia o julgamento sobre si mesmo. Por outro lado, aquele que se deixou envolver pela proposta de Deus e Nele acreditou com todo si mesmo, terá em si os mesmos sentimentos de misericórdia que Jesus teve ao assumir os dramas que permeiam a existência do homem. Fazer “boas obras” não salva por si próprio, há uma profunda diferença entre filantropia e caridade: a primeira exclui a dimensão divina, não projeta o homem a Deus, deixa o homem na sua dimensão terrestre. Todos podem fazer boas obras, poucos sabem fazer caridade, deixar que o drama do mais frágil faça parte da própria vida. A filantropia simplesmente faz atos externos de ajuda, mas deixa sempre uma distância entre quem beneficia e quem é beneficiado; a caridade entra no coração, identifica dois homens que se sentem irmãos porque filhos de um único Pai.

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