quinta-feira, 2 de abril de 2009

Domingo de Ramos (Pe Carlo)

O longo caminho que Jesus percorrera com os seus discípulos estava alcançando o momento mais elevado do seu significado. O ponto alto da Revelação de Jesus estava prestes a se manifestar em toda a sua plenitude; uma voz vinda do “Céu” (leia-se, na linguagem Bíblica, Deus), deu inicio à missão do Filho, a mesma voz se fez ouvir quando da Transfiguração; pela terceira vez se fez ouvir no trecho narrado no domingo passado: «Eu já o glorifiquei e ainda o glorificarei». A partir deste momento é como se terminasse o que Jesus poderia dizer aos homens com suas palavras, com seus milagres, com seus atos de compaixão. A partir de agora tudo estava nas mãos do Pai. É o mais profundo ato de entrega e amor a Deus que alguém possa fazer. Tudo é simplesmente “tudo”, não uma parte. Se é verdade que as palavras podem transmitir ensinamentos de Deus, se é verdade que atos de amor podem mostrar o amor do Pai para com os homens, se é verdade que milagres e atitudes que resgatam a dignidade da pessoa humana podem dar aos homens a esperança, de fato nada fala tão alto do amor que alguém pode ter para com Deus do que a sua entrega total, sem condições. É somente isto que ainda é capaz de questionar um homem que precisa controlar tudo, conhecer e avaliar tudo o que acontece para poder sentir-se ainda proprietário do mundo em que existe. Os gregos, vimos no Evangelho de domingo, “queriam ver”, e isto é um direito, mas Deus não se deixa vincular a o que os nossos olhos querem ver. Jesus não poderia fazer mais nada para os homens a não ser entregar-se totalmente ao Pai e ao desejo Dele até o último dos seus sentimentos. É somente assim que a razão renuncia à sua presunção, é somente quando se vê um ato de amor incondicional que ainda o mundo se pergunta: “por quê?”, “o que há por detrás de tudo isso, que eu não consigo entender?”. É a lógica daquele Deus que “confunde os sábios”. Creio que as palavras a seguir, com as quais São Paulo comenta este momento da mais profunda Revelação, possam nos ajudar a ler o texto do ingresso em Jerusalém e a Paixão: «Os judeus pedem sinais, gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens». (1Cor. 1,22). Esta interpretação que Paulo faz da paixão de Jesus é a chave de leitura que usaremos no texto de hoje.
O texto começa dando-nos uma localização: o monte Oliveiras. Não se trata somente de uma indicação logística, trata-se de uma indicação religiosa. O monte Oliveiras está a leste de Jerusalém. A indicação é, então, a preparação para compreender o complexo gesto simbólico de Jesus, que age como costumavam fazer os grandes profetas. Jesus entrava pelo lado oriental de Jerusalém, ora, segundo a tradição e a interpretação que os rabinos davam da Escritura, o Messias esperado viria do Oriente, isto porque Ezequiel –que viveu na época do exílio, 586 a.C.-, havia “visto” a glória de Jahvé abandonar o Templo e dirigir-se para o “oriente” de onde se aguardava a sua volta no último dia (Ez. 43,1s; 11,23). Os rabinos esperavam então a manifestação final da “glória de Jahvé” que voltaria do “oriente”. Bem, não coincide isto com a voz que falava de uma “glória” coma qual seria revestido Jesus? Sim, Jesus seria o portador desta “gloria”. Contudo, cabe perguntar-nos o que se entende por “glória”. O sentido é complexo mas, em poucas palavras, podemos dizer que é a “luz consistente” através da qual pode ser vista a presença de Deus sem que, contudo, possa ser tocada, pois Deus permanece sempre inalcançável pelas mãos humanas. A glória é como uma “luz transparente” que permite ver a Deus mas não de se apoderar Dele. Com esta figura de linguagem tirada da Escritura, podemos compreender o sentido do último ato de Jesus.
Jesus entrava como peregrino, como um dos tantos peregrinos, mas, de repente a situação mudou. Como muitos outros, os discípulos haviam entendido o gesto de Jesus, mas eles e outros o interpretaram à sua maneira. É algo que ainda hoje se repete toda vez que pretendemos reduzir Deus a nós e não sabemos ouvir. Aquele grupinho de pessoas vindas em sua maioria da Galiléia, os gestos prodigiosos realizados até então por Jesus, reacenderam imediatamente os ardores nacionalistas e teocráticos: «bendito o Reino que vem em nome do Senhor e bendito o reino do nosso pai Davi...». O fato de Jesus não se opor deixava espaço para a hipótese de que ele estivesse disposto a assumir a posição de messias; os discípulos, por um momento ainda, acharam que estava chegando a “hora” de Jesus -e deles também-. Foram eles, então que deram início ao cortejo triunfal, quase imitando os comandantes romanos que tomavam posse das cidades apenas conquistadas.
Jesus os deixa fazer…! Quantas coisas Deus nos deixa fazer…! E fica olhando como somos capazes de ver Nele coisas que são somente nossas. Jesus não desdenha nem os repreende. Queiram ou não, eles mesmos terão a ocasião de se dar contas de suas ilusões; pois o caminho que Deus escolhe é o que Ele escolhe e vai necessariamente para a direção que Ele escolhe, mesmo que alguns queiram e digam o que quiserem. Mesmo assim, Jesus não despreza o engano em que caíram, contudo tenta dar, pela última vez, uma declaração pública de que as coisas não são como eles as viam.
A leitura nos dá outras indicações. Possivelmente Jesus deve ter entrado pela porta que hoje é chamada “porta dourada” (hoje está murada). Esta porta está entre a cidade de Jerusalém e o monte Oliveiras, abrindo-se sobre o vale do Cedron. Este vale, chamado também “vale de Josafá”, era o lugar onde aconteceria o julgamento final da história segundo a leitura que os rabinos faziam deste texto de Joel: «Eis que, naqueles dias e naquele tempo, em que mudarei a sorte de Judá e de Jerusalém, reunirei todas as nações e as farei descer ao vale de Josafá; e ali entrarei em juízo contra elas por causa do meu povo e da minha herança: Israel» (Joel 3:1). Sim, era bem isto que estava acontecendo: a entrada de Jesus em Jerusalém seria o julgamento final da história; seria a antecipação do critério com o qual o Pai pronunciará a sua palavra última sobre a história do mundo. Tudo o que acontecerá em Jerusalém daquele momento em diante será exatamente o que acontecerá no “último dia”. É por isso que é importantíssimo conhecer e meditar os eventos da Paixão de Jesus, como sempre a liturgia nos propõe na longa e pausada leitura da Paixão. Em Jerusalém se evidenciarão com a maior força possível todas as contradições que existem na humanidade. Jerusalém é a cidade das contradições: é o símbolo da profunda luta entre o poder de Deus e o poder do mal, do orgulho e do egoísmo. É símbolo daquilo que acontece conosco, no mais íntimo da nossa vida: quanto mais nos aproximamos de Deus tanto mais as contradições que existem em nós se mostram com toda a sua força. Enquanto ainda estamos “distantes”, tudo parece calmo, não existem grandes problemas, se pode empurrar tranquilamente a vida; mas, quanto mais nos aproximamos Dele tanto mais o que não é “de Deus” se manifesta. Isto para que nós possamos conhecer realmente “quem” somos e, somente então, escolher com liberdade e amor. Não podemos dar com amor se não conhecemos quem nós somos bem no fundo e não conhecemos as contradições que carregamos em nós! È em Jerusalém que se deve travar o combate final
Jesus entra, entra em todas estas contradições entra, sim, como “alguém que conquistou” as contradições de Jerusalém e do homem; mas não montando num cavalo, como os poderosos que se afirmam com instrumentos de opressão e, frequentemente, de injustiça.
Assim, Jesus pediu que lhe fosse trazido um jumento; também este é um gesto simbólico ligado ao livro de Gênese (mas não temos como ver agora). Pela primeira e única vez, Jesus diz de si mesmo que é “senhor”: «…respondei: O Senhor precisa dele ». É senhor, porque pode realmente conquistar o homem coma única coisa que, bem no fundo, ele quer: ser amado até o fim. O instrumento para tanto não é a ilusão de um alazão, de uma prestigiosa montaria, um lugar de destaque, de prestígio universalmente reconhecido. Isto não satisfaz os desejos mais recônditos da pessoa humana. O que demonstra o amor que conquista é tudo o que “realmente serve”, um “tudo” representado pelo burrinho que ajuda o camponês todos os dias, que o carrega quando este está cansado de seu trabalho, que agüenta a sede quando o lavrador já não agüenta mais. Assim a imagem do peregrino em seu burrinho se contrapõe com toda a sua força àquela do prestigioso cavaleiro. E mais: aquele era um o jumentinho «no qual nenhum homem ainda havia montado». Logo, não é fácil montar. Será tão difícil ver aqui a declaração do tipo de “serviço” que Jesus veio oferecer? Ele o fará por primeiro.
Será um convite implícito para que saibamos deixar de lado, por um momento o prestígio do nosso cavalo e acreditar que é possível, seguindo Jesus, que nós também possamos montar o mesmo jumentinho para oferecer algo que ninguém ante do Senhor pôde oferecer?

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