sexta-feira, 19 de junho de 2009

XII Domingo do Tempo Comum (Pe Carlo)

A leitura do Evangelho de hoje nos recorda um episódio que, sem dúvida, deve ter causado um grande efeito nos discípulos a ponto de ser narrado numa forma tão descritiva que parece colocar-nos no barco, junto com Jesus e alguns dos Apóstolos.
O fato se dá no primeiro tempo da pregação de Jesus e de suas atividades junto à multidão. Estava findando um dia de contato intenso com as multidões. Alguns curiosos outros esperançosos..., todos pareciam buscar naquele estranho personagem, respostas a seus anseios. Respostas que não tinham encontrado até então nos meios típicos de um sistema religioso que exigia, mas não devolvia algo em troca. Respostas ao sentido de suas vidas, ao porque da dor, da doença... olhares sedentos que não podiam deixar Jesus pensar um momento sequer em si mesmo, se ocupar com aquilo ao qual teria direito: um pouco de paz, de tranqüilidade, de descanso. O amor que Jesus sente não deixa espaço para pequenos, justos, direitos e, como sempre, o Senhor fará uma opção entre o amor para os outros e tudo quanto seria um justo direito de acordo com o senso comum: «Vamos para a outra margem! ». A “outra margem” do mar da Galiléia era o território chamado “Decápole”, isto é, dez cidades de forte influência grega onde os costumes e a religião judaica estavam sendo substituídos progressivamente com cultos e moral pagã. Era um território que precisava reencontrar suas raízes religiosas, reencontrar-se com o seu Deus apesar da forte pressão da cultura dominante.
Para Jesus, levar às pessoas o rosto atencioso e forte de Deus não era um ofício, era sua vida. Não era uma atividade, o que, pelo contrário, pode acontecer até em nossas “pastorais”, grupos, ou maneiras de impostar a nossa vida de fé; tudo encerra num determinado momento e horário, após o qual voltamos ao nosso “justo”, pequeno mundo, feito de “justos”, pequenos privilégios.
É claro, não estamos falando em multiplicar exageradamente o que fazemos, é necessário em tudo ter um equilíbrio; às vezes, querendo fazer o que não nos compete e estar onde não devemos estar, gera problemas sérios. A questão, então, se coloca sob outro prisma: não é a quantia de coisas que fazemos o importante, mas a atitude de estar sempre dispostos, assim como Jesus o qual, depois de um longo dia em que atendeu às necessidades de todos, ainda disse: «Vamos para a outra margem!». Esta disposição é gerada pela intensidade de envolvimento e pela intensidade com a qual aquilo que cremos faz parte da nossa vida ou é um simples “trabalho” que desenvolvemos. É isto que confere peso e credibilidade às ações e palavras que saem de nós. É facílimo perceber quando alguém coloca tudo si mesmo naquilo que diz e que faz. Nele se vê aquela “inteligência do coração” que lhe permite alcançar os recônditos sentimentos escondidos nos olhares das pessoas sedentas; permite-lhe de antecipar seus pedidos de ajuda e de compreensão, como estava fazendo Jesus em relação aos habitantes da Decápole. È a “inteligência do coração” que também nos ensina como saber ir além do “direito”, além do “certo e errado” porque, simplesmente, é “preciso” encontrar-se em nome de Deus com a pessoa que Deus coloca à minha frente.
O grau de envolvimento, a intensidade com a qual nos deixamos tomar é que dá consistência àquilo que dizemos e fazemos. As idéias... bem, as idéias todo mundo tem!
Estava findando o dia. A perspectiva era de mais um dia ao serviço daqueles que o Pai amava. Jesus pediu para atravessar o lago de Genezaré, em torno do qual se desenvolvera até então a grande parte de sua vida: “Passamos para a outra margem”, também do outro lado havia pessoas sedentas. A narração parece nos sugerir o desejo indefesso de Jesus e sua prioridade de responder aos apelos dos homens, acima de qualquer outra coisa.
O Evangelista, que parece escrever o relato de alguém que estava no barco aquele dia, nos diz que Jesus entrou no barco «assim como estava», e isto é típico de alguém que está tomado por algo de grande importância, algo que o envolve completamente e lhe faz esquecer de si mesmo. È um pouco como a primeira paixão: envolvente, total, sem medida –com seus lados positivos e negativos...- Oxalá tivéssemos este tipo de paixão pelas coisas de Deus; paixão tão encantadora que nos faz esquecer de nós mesmos! Deste modo agiríamos de verdade como os “filhos” dos quais fala Jesus quando recorda que «o vosso Pai sabe o de que tendes necessidade antes que lho peçais» (Mt. 6,8). Por isso, se o nosso coração estiver tomado pelas coisas de Deus, não menos o coração de Deus será tomado pela vontade de nos verem realizados e felizes.
A narração evidencia o enorme contraste entre a tempestade em torno do barco e a tranqüilidade de Jesus que… dorme «num travesseiro»! Enquanto o mundo fora do barco parece desabar, no barco existe uma grande paz. Jesus descansa, a paz existe, mas ainda não passou para os discípulos, não se deixaram envolver: eles estão apavorados. Ainda mais se entende seu medo se levarmos em consideração que o mar em fúria e a tempestade sempre foram consideradas na cultura hebraica como os instrumentos de Belial, o demônio. Deste modo, por exemplo, Davi agradecia a Deus: «As vagas da morte me cercavam, as torrentes de Belial me impuseram terror. Os laços do Sheol me rodearam, as ciladas da morte estavam armadas diante de mim. Na minha aflição, eu clamei pelo Senhor, eu clamei pelo meu Deus» (2Sam. 22,5-7).
Assim sendo, o contraste entre o mar em fúria e a paz de Jesus pode ser associado um pouco com a nossa mesma vida: tempestades que nos rodeiam e que parecem nos engolir com a sua força, olhando para nós, vemos ainda mais o medo tomar conta, pois percebemos a nossa limitação diante dos assaltos das ondas. Por outro lado... Jesus dorme, parece não se importar, parece não ver o que estamos passando.
Mas é bem nesta condição que se decide nossa vida; quando nos sentimos à mercê daquilo é superior a nos mesmos. É este o momento em que podemos optar entre contar com as nossas forças, com a nossa experiência de “barqueiros” ou apelar humildemente a Deus, o único senhor daquilo que existe, para que Ele possa fazer o que for preciso. Sim, Jesus não age prescindindo da nossa decisão de olhar para Ele, o Senhor respeita as nossas opções sejam quais forem. Somente age quando esquecemos de olhar para nós mesmos e nossos medos para recorrermos a Ele com o nosso apelo incondicional.
Aquele “barco” é o barco do nosso coração: sabemos que Jesus está presente, mas ainda não aprendemos a desfrutar da paz que brota da certeza da presença do Senhor na nossa vida, ao nosso lado, no centro das nossas tempestades.
Quando nos deixamos envolver pela presença de Jesus, quando Sua presença nos basta, quando em nós as coisas de Deus ocupam mais do que “um tempo”, mas representam o centro de nossas vidas, quando assim for, não haverá espaço para apoiarmo-nos em nosso “eu”, que traz consigo inquietude e medo, aprenderemos a crer na presença do Senhor, então haverá tranqüilidade e segurança. Paz é viver da presença de Deus, o único “lugar” que não pode ser atingido por nenhum, dos demônios que violentam nossa vida, nossas relações, nosso sorriso.

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