sábado, 12 de maio de 2007

"Dou-vos minha Paz" - Fr. Raniero Cantalamessa, ofmcap

Dou-vos a minha paz
«Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não é à maneira do mundo que eu a dou».
De que paz fala Jesus nesta passagem do Evangelho? Não da paz externa que consiste na ausência de guerras e conflitos entre pessoas ou nações diversas. Em outras ocasiões, Ele fala também desta paz, por exemplo quando diz: «Bem-aventurados os que trabalham pela paz, porque serão chamados filhos de Deus». Aqui fala de outra paz, a interior, do coração, da pessoa consigo mesma e com Deus. Compreende-se pelo que ele acrescenta imediatamente: «Não se perturbe nem se atemorize o vosso coração». Esta é a paz fundamental sem a qual não existe nenhuma outra paz. Bilhões de gotas de água suja não formam um mar limpo, e bilhões de corações inquietos não compõem uma humanidade em paz. A palavra utilizada por Jesus é shalom. Com ela, os judeus se cumprimentavam, e ainda hoje se cumprimentam assim; com ela Ele mesmo saudou os discípulos na tarde de Páscoa e com ela ordena saudar as pessoas: «Em qualquer casa que entreis, dizei antes: a Paz esteja nesta casa» (Lc 10, 5-6). Devemos partir da Bíblia para entender o sentido da paz que Cristo dá. Na Bíblia, shalom diz mais que a simples ausência de guerras e desordens. Indica positivamente bem-estar, repouso, segurança , êxito, glória. A Escritura fala inclusive da «paz de Deus» (Flp 4, 7) e do «Deus da paz» (Rm 15, 32). Paz não indica, portanto, só o que Deus dá, mas também o que Deus é. Em um hino seu, a Igreja chama a Trindade de «oceano de paz». Isso nos diz que essa paz do coração que todos nós desejamos não se pode obter nunca total e estavelmente sem Deus, fora d’Ele. Dante Alighieri sintetizou tudo isso nesse verso que alguns consideram como o mais belo de toda a Divina Comédia: «Em sua vontade está nossa paz». Jesus dá a entender o que se opõe a esta paz: a turbação, a ansiedade, o medo: «Não se perturbe vosso coração» Que fácil é dizê-lo!, objetará alguém. Como aplacar a ansiedade, a inquietude, o nervosismo que devora todos e nos impede de desfrutar de um pouco de paz? Há quem por temperamento está mais exposto a estas coisas. Se existe um perigo, eles o aumentam; se há uma dificuldade, eles a multiplicam por cem. Tudo se converte em motivo de ansiedade. O Evangelho não promete uma panacéia para estes males; em certa medida, eles fazem parte de nossa condição humana, expostos como estamos a forças e ameaças muito maiores que nós. Mas indica um remédio. O capítulo do qual procede a passagem do evangelho dominical começa assim: «Não se perturbe vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim» (Jo 14, 1). O remédio é a confiança em Deus. Após a última guerra, publicou-se um livro titulado As últimas cartas de Stalingrado. Eram cartas de soldados alemães prisioneiros na bolsa de Stalingrado, despachadas no último envio antes do ataque final do exército russo, no qual todos pereceram. Em uma destas cartas, reencontrada após a guerra, um jovem soldado escrevia a seus pais: «Não tenho medo da morte. Minha fé me dá esta bela segurança!». Agora sabemos o que desejamos reciprocamente quando, estendendo a mão, intercambiamos na Missa o desejo da paz. Desejamos um ao outro bem-estar, saúde, boas relações com Deus, consigo mesmo e com os outros. Em resumo, ter o coração cheio da «paz de Cristo, que ultrapassa todo entendimento».

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