quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

2° Domingo do Advento - Pe Carlo

No domingo passado a liturgia nos propôs a esperança, a virtude cristã embasada na certeza de que Deus age e que o resultado já é garantido, não pela presunção humana mas pela palavra que Deus dá. Também na segunda leitura de hoje Paulo nos convida a “manter viva a esperança”, a perseverar na esperança, pois esta não decepciona. Quando todo o nosso ser está tenso na expectativa, qualquer faculdade se torna mais sutil, mais perspicaz, mais capaz de intuir onde se encontra a resposta. A capacidade de esperar é uma manifestação de amor. Esperamos o que amamos, o que é importante par nós. Quando esperamos o essencial, Deus sempre nos oferece condições para encontrar o que buscamos, pois o desejo de Deus sempre teve a felicidade do homem como objetivo. Contudo, Ele nunca nos dá algo que não seja resultado de um esforço conjunto: mesmo que frágil e sem condições o homem deve ser participe de sua realização. Se assim não fosse o próprio Deus estaria desrespeitando a dignidade da sua melhor criatura e mais: nenhum paternalismo instaura dinâmicas de felicidade.
É nesta ótica que a leitura de hoje se coloca como uma proposta a todos os que estiverem bem dispostos. Uma proposta que, contemporaneamente, é percebida por alguns como resposta às expectativas tão fortes daquela época, já que desde há muito tempo Israel não tinha mais profetas e lideres religiosos confiáveis. A verdadeira fé havia se transformado em simples religiosidade feita de barganhas, o ritualismo triunfava sobre a bos disposição... Era naquele contexto que se apresentava, a quem o quisesse ouvir, a pessoa de João.
Finalmente um sinal. Sua postura recordava imediatamente os primórdios de Israel, povo que nasceu “no deserto”, que descobriu sua identidade caminhando “no deserto”, que conheceu seu Pai e Libertador “no deserto”. A partir daquele mesmo lugar, quase a dizer: «Lembrem-se do início», João oferecia aos que estivessem dispostos a ouvir o anuncio do início de uma nova história. Esta deveria começar exatamente por onde começou a primeira. Deus estava oferecendo uma nova identidade, uma nova vida assim como a oferecera àquele aglomerado de semitas que nem sequer tinham consciência de ser povo antes de percorrer o caminho do deserto.
Novamente, hoje, este dia de Advento vem reiterar a oferta de Deus para uma renovação. Ele quer fazer de nós pessoas novas e capazes de recomeçar sempre de novo a partir das nossas origens, daquilo que radicalmente existe no nosso ser. È como a poda da roseira na época certa, que aproxima o galho cada vez mais do tronco, da raiz, a fim de que prorrompa nele todo o poder vital, sua força de embelezar o mundo. È o que Deus quer fazer de nós para termos um mundo mais humano.
Finalmente um sinal. João, com seus trajes típicos de profetas (cfr. 2Rs.1,8), recordava a todos que a palavra de Deus é sempre viva e presente, mesmo quando por longo tempo não a percebemos. Recordava que o homem, para se encontrar, deve retornar ao essencial, ali, perto de suas raízes, principalmente quando se dá conte de ter-se perdido atrás de muitas coisas que tomaram conta de sua vida. João vinha dar uma palavra de clareza, uma palavra objetiva que ainda hoje nos ajuda a vermos o que realmente somos. Seu anúncio nos ajuda a dar o primeiro passo rumo à liberdade que vem da verdade sobre nós mesmos e da capacidade de recomeçar sempre como se fosse a primeira vez. Nos ajuda a não ter medo das mudanças que a conversão exige; seu apelo nos torna livres para seguir o caminho do Senhor, este também sempre novo e renovador.
Se na antiguidade Jahvé havia oferecido o caminho do deserto para desenvolver a identidade nova de Israel, agora estava oferecendo, com João, um novo caminho, um caminho que certamente prepara e dispõe o coração para os milagres que Deus reserva aos que forem capazes de percebê-los. Este novo “caminho do Senhor”, ainda hoje desafiador, começa com um simples ato, que talvez seja um dos mais difíceis: reconhecer quem somos. «Confessai os vossos pecados» dizia João, não com ênfase pessimista ou depressiva (que não levam a nada), mas de clareza e sinceridade para consigo mesmos. Se a vida nos leva a ter que assumir posições, imagens, até máscaras, porque as condições o exigem ou porque às vezes fica mais fácil... João vem dizer-nos que isto aos poucos vai criando uma distância cada vez maior entre o que somos, a nossa raiz, e o que pensamos de ser ou que “devemos” ser para ser aceitos. É uma progressiva desarmonia que vai se infiltrando em nosso coração e que pode estourar num terrível conflito quando qualquer circunstância imprevista vem nos dizer quem de fato somos. E se não estivermos preparados? E se não tivermos adquirido a capacidade de retornar à origem do nosso coração, de seus verdadeiros desejos, daquilo que é realmente cônsono a o que somos?
Sem dúvida não existe liberdade nem alegria –que desta é a manifestação- quando vivemos um papel, uma imagem, uma figura de nós mesmos. «Confessai», dizia o Batista, «Não tenhais medo de dizer a vos mesmos que houve erro de objetivos» (a palavra “pecado”, na linguagem militar da época, indicava “distância”, “erro de alvo”). O primeiro passo para a liberdade, para a nova identidade, passa por este “caminho do Senhor”, diferente do “caminho” da lógica comum.
É interessante perceber que, quando abrimos o nosso mundo ao outro, quando renunciamos às defesas, se estabelece com a outra pessoa um novo tipo de relação; uma nova dinâmica passa a existir, não mais aquela da competitividade, mas da solidariedade. “Tenham coragem de confessar os vossos pecados”...para começar a amar a vós mesmos e aceitarem-se entre si, pois, bem no fundo, são mais as coisas que unem as pessoas do que as que dividem, a começar pelos rumos e decisões erradas.
Alguém que aprende a amar a si mesmo pelo lado mais obscuro, é também mais capaz de acolher, é mais livre diante de tudo quanto se apresentar. È isto que significa “conversão”, colocar-se na atitude de quem está disposto a abandonar a própria imagem e enriquecer-se pelas situações novas, pelas pessoas desconhecidas que Deus quiser oferecer; conversão é a lógica da mudança.
Muitos, também entre os menos piedosos de Israel, haviam entendido o desafio de João; o gesto de “batismo” que pediam a João era o símbolo de seu desejo de mudança, transformação de vida. Belíssimo, mas ainda insuficiente para João. O batismo “na água” indicava o movimento que parte do homem o qual, modificando a si mesmo, se punha no caminho de purificação para se aproximar de Deus. Belíssimo mas insuficiente. João era portador de uma novidade: a purificação não é mais necessária como instrumento pra se aproximar de Deus quando Deus inverte esta lógica indo Ele mesmo ao encontro do homem. O “reino de Deus está perto”, próximo de cada um que já se dispôs à lógica da transformação. O verdadeiro batismo, não aquele da água, parte de pressupostos diferentes: é porque Deus está próximo de mim que eu desejo colocar-me na lógica da transformação, já que Deus é surpresa constante, proposta de superamento de limites ao infinito, bem o que no fundo cada um de nós deseja.
È um novo caminho “o caminho do Senhor”; parte da humilde e libertadora aceitação de nos mesmos e tem seu desfecho na possibilidade de “respirar” a presença de Deus, a qual, aos poucos, vai transformando, vivificando, extraindo de nós mesmos o melhor que Deus fez. João indicava o caminho enquanto se coloca ele mesmo neste caminho, como todos na esperança, aguardando Aquele que ofereceria o verdadeiro “batismo”, a transformação mais radical que acontece quando temos a sensibilidade de intuir, respirar a presença de Deus: é este o “batismo do Espírito” que Jesus vem oferecer: uma lenta, progressiva e penetrante ação que unifica o Criador à criatura amada.
A conversão à qual nos convida a liturgia de hoje, é mais um apelo que Deus nos faz para sermos livres; pessoas que, aceitando a si mesmas, aceitam o mundo, os outros e preparam o terreno propício para que Jesus esteja presente em nossa vida como principio e penhor de felicidade.

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