quinta-feira, 26 de junho de 2008

Solenidade de São Pedro e São Paulo (Pe Carlo)

A festa de hoje é a celebração da unidade na diversidade. Pedro e Paulo, dois personagens, duas histórias completamente diferentes, dois encontros com Jesus redondamente diversos que terminaram do mesmo modo: em Roma dando suas vidas para Quem lhes fez sentir seu amor.
O que uniu pessoas tão distantes ? O que lhes sugeriu as mesmas opções ? Por quê, pontos de vista tão desiguais, não se transformaram em competição, afirmação da própria posição, “incompatibilidade” (termo que usamos hoje quando queremos justificar qualquer separação) ?
Não creio que venha aqui o caso de relembrar as histórias de Pedro e Paulo, bem conhecidas por todos. No entanto permito-me pousar a atenção sobre alguns pormenores de suas vidas.
Pedro era cidadão da Galiléia, região bastante suspeita para o regime religioso–político da época. Seu tecido étnico era heterogêneo, com tendências separatistas que não se integravam com o sistema. Pedro fazia parte deste povo, um cidadão comum, com sua família, sua estabilidade econômica, sua pequena vida de aldeia à margem do lago de Genezaré. Como muitos conterrâneos, provavelmente Pedro também seguiu Jesus vislumbrando nele o “esperado”, o líder que restauraria Israel. Qual fosse o limite entre a dimensão religiosa e política não está claro, mas certo é que no coração do todo Galileu estava a expectativa de ver em Jesus o libertador poderoso, o profeta sob o comando do qual definitivamente Israel poderia afirmar sua independência.
Um dia, sem pedir permissão, Jesus entrou a fazer parte da vida de um homem qualquer num dia qualquer. Rompe os limites da vida de Pedro e o projeta num mundo infinitamente mais amplo do que os horizontes daquelas colinas. Os Evangelhos nos recordam a decisão que Pedro tomou, uma decisão que o acompanharia o resto da vida. Que voltou inúmeras vezes à sua mente toda vez que, ao longo da convivência com Jesus, se verificavam fatos e situações desafiadoras, diante das quais se apresentava como sempre atual a possibilidade de largar tudo e voltar à vida de antes, ao seu barco. Alguns destes momentos dramáticos nos são lembrados pelo apóstolo João: «À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele. Então, perguntou Jesus aos doze: Porventura, quereis também vós retirar-vos? Respondeu-lhe Simão Pedro: Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna» (Jo.6,68). O Evangelho de hoje também nos traz o eco de um destes momentos extremamente delicado da convivência entre Jesus e os doze, o Evangelho não nos conta o que está por trás do fato que Jesus, pela primeira e única vez, interpela os que o acompanhavam, questionando sobre o que eles sentem.
Nestas, como em outras situações, Pedro faz memória, revive o momento inicial, o ímpeto instintivo do coração que não mede, somente vê Jesus. Pedro, homem que não mede, tanto no erro quanto no impulso de amor. Que chora e que recomeça sempre; capaz de aplicar em sua vida aquilo que tinha aprendido ao sair do limite de suas colinas e lagoas, para deixar-se levar (como nos recorda o Evangelho de João ao narrar o último encontro entre Pedro e seu amado Jesus) infinitamente. A memória daquele momento lhe dará a força de continuar, sempre, até o fim.
Ao lado dele, Paulo, fariseu formado na melhor escola rabínica da época, a de Gamaliel, zeloso da Palavra de Jahvé, a “Lei” na qual tinha toda certeza de se encontrar com Deus. Homem erudito, que falava as línguas mais importantes da época e sentia-se à vontade com as culturas dominantes, seus costumes, poesias, técnicas de oratória etc.
Um personagem seguro do caminho que trilhava para se encontrar com seu Deus... até o dia em que Deus quis se encontrar com ele. Foi o dia em que algo começou a desestabilizar suas convicções; e certamente não foi só o episódio de Damasco, aliás este foi somente a conseqüência de ter aprendido a conhecer a linguagem de Deus.
Lucas, companheiro de Paulo em suas viagens, discretamente nos dá uma indicação daquilo que começou a fazer desmoronar suas certezas adquiridas: um homem que morre perdoando, da mesma maneira que aquele Jesus que havia aprendido a combater.
«As testemunhas deixaram suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo» (At. 7,58) enquanto apedrejavam Estevão. A inversão de valores operada por Jesus no coração de Paulo o levará também a ultrapassar os limites de suas convicções. Daquele dia em diante seu coração aprendeu que a “lei”, a regra, o “mínimo suficiente” não salva ninguém. Ao contrário, Paulo é tão forte contra a mentalidade minimista que chega a adjetivar de “maldita” (Gal. 3,13) pois esta somente tem o poder de indicar o certo e errado, sem ter a capacidade de gerar em nós aquilo que realmente salva, que é o amor gratuito. Daquele dia em diante o intrépido e seguro fariseu, descobriu-se como aquele que está no «último lugar» (1Cor. 4,9), «indigno de ser chamado apóstolo» (1Cor 15,9). A presunção de se salvar com as próprias forças deu lugar àquele estado de ânimo que Paulo chamava «graça», isto é a atitude de gratidão por ter sido objeto de um amor não merecido. A «graça», esta força movida pelo desejo de retribuir com amor ao amor recebido, será a força deste grande homem de Deus. Daquele dia em diante a segurança em si mesmo será substituída pela humildade de pedir a opinião de um pescador, “ignorante” (Lucas usa uma expressão que sugere que não soubesse ler e escrever: agrammatoi -At. 4,13) antes de se aventurar na pregação do Evangelho a fim de não correr o risco de ter trabalhado «em vão» (Gal. 2,2) isto é, por sua própria conta, sem a harmonia necessária ao anúncio do Evangelho. Paulo aprendeu a se gloriar de seus limites, de suas fraquezas para que fosse evidente a todos o tesouro que carregava em seu vaso de barro. Paulo, homem que se sentiu salvo, objeto da gratuita misericórdia de Deus e que quis entregar sua vida a fim de que seus irmãos, judeus e estrangeiros, fizessem a mesma experiência de amor gratuito. Amor que não pode ser alcançado pelas regras, pelas normas e leis, porquanto justas que forem.
Dois homens, duas histórias, o mesmo fim.
Ambos foram capazes de olhar o mundo com os olhos de Deus, capazes de esquecer as diferentes opiniões sobre um assunto ou outro (o livro de Atos nos narra alguns destes momentos e a dinâmica com a qual foram vividos) porque em ambos, Jesus ocupava o centro do coração. Ambos foram projetados fora do limite de seus exíguos mundos para serem parte de algo maior que desconheciam mas que os fascinava. O fato de sentirem-se chamados, a humildade oriunda da consciência da vocação, lhes deu a força de perder seu “eu”, naquela belíssima experiência que Paulo assim descreve: «Não sou mais eu que vivo. É Cristo que vive em mim!» (Gal. 2,20).
Quando olhamos somente a Jesus, assim como ele se apresenta e não filtrado pelos preconceitos que às vezes poluem a mente, então a unidade é gerada, como uma sintonia, uma afinidade que «não nasce da carne nem da vontade, mas de Deus»
...e sobre esta pedra Jesus edifica a sua Igreja.

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