quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Exaltação da Santa Cruz (homilia.com.br)

A cruz é um sinal constante na vida do povo brasileiro. Está pendurada ao pescoço, em paredes de tribunais, em salas de aula, em escritórios e em tantos outros ambientes. Muitos jogadores entram em campo fazendo o sinal da cruz. É para vencer o jogo, naturalmente. Com o sinal da cruz, as pessoas iniciam as atividades do dia e preparam o sono da noite. Querem ser vencedoras. Diante dos acampamentos de grupos sem terra, erguem uma grande cruz. Essa cruz é sinal de vitória.
O Brasil nasceu como Terra de Santa Cruz. O nome indica o grito de vitória dos conquistadores quando chegaram a esta terra. Até os dias atuais, o povo se identifica com a cruz de Cristo. A procissão da Sexta-Feira Santa é mais concorrida que o domingo de Páscoa. O beijo da cruz é uma cerimônia emocionante. O crucificado toca fundo na alma das pessoas, porque sua história é tecida de sofrimento. Mas nem por isso se sentem derrotadas. Ao contrário, na derrota da cruz está a força da vitória. Parece contraditório, mas não é. O sinal de morte torna-se sinal de vida. Isso se chama paradoxo. Porque aquilo que é contra-senso adquire sentido, pela graça de Deus.
Nossa relação com a cruz é um retrato da relação vivida pelo povo, no episódio da serpente de bronze, narrado na primeira leitura. Serpentes venenosas, no deserto, picavam as pessoas e lhes causavam a morte, porque elas haviam murmurado contra Deus e contra Moisés. Diante do arrependimento e súplica do povo, Moisés intercedeu a Deus em favor deles, e o Senhor mandou erguer uma serpente de bronze, numa haste. Dessa forma, quem fosse mordido por uma cobra, ao contemplar a serpente de bronze, viveria.
Ora, as cobras são conhecidas e temidas por seu perigo traiçoeiro e por seu veneno mortal. Pela força divina, porém, elas se transformam em sinal de vida. A própria ciência, por sinal, obedece à mesma lógica, quando utiliza o veneno da própria cobra para curar a sua picada. Não sem razão, a serpente se transformou no símbolo da medicina e de outras ciências da saúde.
No deserto, o povo estava perdendo o rumo da terra prometida. Murmuraram contra Deus e contra Moisés. Sentiram saudade da escravidão do Egito. Foram se esquecendo do projeto libertador. Duvidaram da ação divina. Enfim, entraram num processo de morte, representado pelas mordidas de serpentes venenosas. Foi necessária uma ação divina, para despertar sua consciência. Deus transformou o sinal de morte em símbolo de vida. Moisés levantou a serpente de bronze numa haste, e se alguém era mordido por uma serpente, olhava para aquela de bronze e vivia.
O mesmo sinal é retomado no Evangelho: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do Homem”. Para o evangelista João, Jesus é levantado na cruz. Não é sinal de derrota, não é o fim, não é morte. É um levantar, erguer, ou subir. No momento da crucifixão, acontece o paradoxo no qual a morte se transforma em vida. Se a cruz era a tortura mais infame aplicada a escravos e rebeldes, agora ela é instrumento de libertação total. Se a cruz era sinal de maldição de pessoas condenadas, agora ela é salvação para quem contempla a Jesus. Se a cruz representava a derrota e o desespero, agora ela é sinal de esperança e certeza de vitória.
Mas como é possível transformar a dor e o sofrimento em prazer e felicidade? Pela força do amor de Deus. “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único”. A cruz é a expressão máxima do amor de Deus. Não porque Deus ame o sofrimento. Ao contrário, é porque Ele se solidariza com as pessoas que sofrem. A vitória da cruz representa, então, o protesto contra a injustiça, a opressão, a dor e a morte. É para que as pessoas ganhem vida nova que Cristo morreu na cruz. E a cruz, por isso mesmo, torna-se sinal de salvação e de libertação.
Há uma tendência na espiritualidade cristã em desprezar o mundo e as coisas materiais. Chega-se até a fazer oposição entre a matéria, lugar do pecado, e o espírito, lugar da salvação. O Evangelho de hoje alerta que Deus enviou seu filho ao mundo não para julgá-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Está longe, portanto, de condenar o mundo ou de desprezá-lo. É justamente neste nosso mundo que Deus quis se encarnar.
A realidade da encarnação de Jesus está bem expressa na segunda leitura de hoje, no famoso hino de Filipenses, bem num contexto de exortação ao amor fraterno.
O hino expressa o mesmo movimento de baixar e levantar, já presente nas demais leituras. Aqui é Jesus que desce de sua divindade, encarna-se como homem, assume forma de escravo, e se abaixa até a morte, e morte na cruz. O esvaziamento é total. Mas, por força do amor divino, refaz o seu caminho de subida, pois Deus o eleva, lhe dá um nome, acima de todos os outros nomes, ao qual se presta reverência e o Pai é glorificado. A teologia do texto se baseia no modelo do servo sofredor, da Bíblia Hebraica, que após ser humilhado, é exaltado por Deus.
A fé cristã se fundamenta nesta certeza, que o sofrimento, a dor e a morte não representam derrota, mas sim a vitória. Por sua cruz, Jesus Cristo torna-se modelo para quem enfrenta sofrimento no dia-a-dia. Sua morte na cruz é sinal de salvação. Por isso exaltamos a santa cruz. Este é o sentido da festa de hoje.

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