sexta-feira, 22 de junho de 2007

Solenidade da Natividade de S. João (Pe Carlo B.)

Celebramos hoje a festa do nascimento de João o Batista, uma festa vivida como uma aurora que prepara a chegada do esperado «Dia do Senhor». Dia este, que desde o profeta Amós representou a força da esperança para Israel, força que lhe permitiu caminhar através de inúmeras vicissitudes, erros, quedas e reerguimentos. Um «Dia» sonhado como objeto da verdadeira promessa, a qual não mais se identificava com uma terra e um povo –como o tinha sido na época de Abrão, do Egito, da viagem do deserto...- mas sim uma nova terra, uma nova meta situada no interior do coração das pessoas e manifestada num novo estilo de vida. A nova promessa, o dia do Senhor, estava chegando na pessoa do Salvador.

Todos os grandes atos de Deus não irrompem abruptamente na vida das pessoas nem na história do homem, isto seria uma violência, um desrespeito a o que o homem sabe e pode construir; uma tal atitude se encontra, quase como uma característica própria, nas religiões e cultos pagãos, animistas etc. Mas não pode ser assim numa religião onde, o que rege é o diálogo, a relação profunda entre pessoas que decidem caminhar junto, como o é a fé judeu-cristã. Assim, Deus preparava através de João os novos tempos.

Quanto ao Batista Jesus dirá «Entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João; mas o menor no reino de Deus é maior do que ele.» (Lc. 7,28) já que a partir de Jesus o Reino de Deus está definitivamente instaurado e, mesmo a pessoa menos próxima –“menor”- de Jesus, está mais perto do Reino de Deus do que o maior entre os grandes homens do Antigo Testamento. A diferença é clara: estes últimos pertencem à esfera dos “nascidos de mulher”, das pessoas que buscam a Deus com seus esforços, humanos, os primeiros são aqueles que se deixam encontrar por Deus, o qual se faz realmente presente. A narração de hoje expressa muito bem esta transição; o texto, por obvias questões litúrgicas é limitado ao nascimento e reconhecimento de João, portanto teremos que fazer referência a um texto anterior, ao anúncio do nascimento, para compreender melhor o fato e o seu significado.

Sigamos as pegadas do Evangelho.
«Completou-se o tempo», nos diz o Evangelista; se à primeira vista isto não parece mais do que uma indicação obvia do tempo da gravidez, o seu sentido é bem maior e o podemos descobrir à luz do anúncio que o anjo Gabriel havia feito a Zacarias quando este teve a tão grande surpresa de ser sorteado para oferecer o incenso na liturgia do Templo. A surpresa fora grande para ele, pois no Templo trabalhavam cerca de 18.000 entre levitas e sacerdotes, estes últimos divididos em 24 classes. Á alegria de ter sido sorteado acrescentou-se naquele dia o dom que Deus queria lhe fazer: tornar a sua família mediação do verdadeiro sacerdócio, não aquele que oferece incenso em nome de outras pessoas, mas do sacerdócio que introduz as pessoas a Deus e Deus às pessoas. Sacerdócio onde a oferta não é apresentada ritualmente, mas realizada; realizada através da decisão de aderir sem condições, acreditando, na participação total ao projeto de Deus. À felicidade de ter sido sorteado Deus oferecia a possibilidade de descobrir a alegria de conhecer um novo sacerdócio.

«Terás alegria e felicidade...» estas foram as palavras do Anjo, alegria e felicidade de se sentir envolvido num mistério grandioso em favor de toda a humanidade. Era isto que Gabriel oferecia a Zacarias e à sua família. Mais que no nascimento de um filho, a alegria do anuncio consistia em se sentir objeto de um amor privilegiado por parte do Senhor do Universo, daquele Deus que Zacarias e sua família serviam através de sinais e ritos. Contudo, como freqüentemente acontece por uma terrível tentação, também Zacarias teve medo de se alegrar com a felicidade que Deus dá. Teve «medo» (1,13)... e o medo sempre esconde uma indisposição ao amor, revela quanto ainda somos incapazes de acreditar que Deus nos quer bem de verdade. Medo de ser felizes da felicidade de Deus..., isto é o que conduz às escolhas erradas. E assim foi: Zacarias exigiu uma “prova” que o convencesse; uma atitude de desconfiança que nos recorda o sorriso desdenhoso de Sara quando Deus lhe disse que, mesmo sendo de idade avançada, isto não seria impedimento ao projeto de Deus, o qual havia prometido uma descendência a Abrão, seu marido (Gen. 18,22). Sendo assim, a expressão «completou-se o tempo» significa: mesmo que Zacarias não tenha acreditado e oposto razoáveis dificuldades, não por isso o que Deus promete não se realiza. «Completou-se o tempo» é a declaração de que o projeto de Deus vai adiante por si próprio e nenhuma dificuldade, por quanto válida e fundada que seja, consegue se interpor à sua realização. Para o homem resta somente um fato: participar e se alegrar ou escolher ficar de fora. Queira ou não o homem participar, assim como o tempo da mulher é independente de sua vontade assim também o dia do Senhor, o novo dia, tem o seu tempo que independe das oposições que se possam interpor.

Terminada a cerimônia da oferta do incenso, o sacerdote procedia abençoando o povo com a benção de Aarão, o grande sacerdote de Israel (cfr. Nm.6,24). Todavia, a incapacidade de escutar a Deus, que vem a nós do modo e no tempo que com absoluta liberdade escolhe, tornou Zacarias impróprio para dar a benção ao povo, que estava esperando no átrio do Templo (1,21-22). O Anjo demonstrava assim qual é o verdadeiro culto que agrada a Deus: escutar e aderir, nisto consiste o sacerdócio.

Qual grande contradição: iniciar todas as orações públicas com o primeiro dos mandamentos: «Escuta, Israel» (Dt. 6,4) e ser incapazes de fato de dar ouvido a Deus quando intervém!

O nascimento do Batista é então saudado pelo Evangelista como a constatação de que o projeto de Deus tem força própria e regras próprias; e mais, tudo isto é permeado por um sentido geral de alegria, em Isabel, em toda a sua família e até nos vizinhos. Note-se que a gravidez era comumente mantida em reservo quase até o momento do parto; ora, aqui parece que o costume foi simplesmente rompido, pois os parentes «ouviram» falar da gravidez de Isabel, isto é, de uma notícia que havia se espalhado por si própria. É assim que acontece quando realmente somos envolvidos por uma autêntica experiência e de Deus que nos invade sem limites: tudo o resto é “resto”, simplesmente cai em segundo plano. A imagem que temos que manter diante dos outros, os costumes, as tradições à quais somos ligados... tudo é “resto”; Deus e o que Ele sabe fazer reinam totalmente na alma, quase num íntimo e intocável segredo que nada e ninguém poderá jamais lesar, aconteça o que acontecer.

Uma mesma expressão une Maria e Isabel: para ambas a alegria não consiste em “ter”, “possuir” um filho. Um filho não é posse e tampouco objeto de satisfação de algumas necessidades, não é um bem de consumo que podemos adquirir ou descartar quando quisermos. Nem em Maria nem em Isabel se encontra minimamente esta atitude egoísta que, infelizmente, hoje parece ser tão comum quando um filho é reduzido a um objeto de necessidade ou um supérfluo indesejado... Nas duas primas a alegria nasce pela única constatação: «Deus exaltou nela a sua misericórdia» diz Lucas de Isabel, ou seja, Isabel sentiu-se feliz de que Deus tivesse feito dela uma manifestação evidente daquilo que o Altíssimo é para os homens. O mesmo tema o reencontramos no canto de Maria, o “magnificat”.

Constatar como eram verdadeiras as palavras do Anjo, meditar longa e silenciosamente o sentido do evento que ocorrera nove meses antes, amadureceu Zacarias. Uma nova atitude surgiu em seu coração; uma atitude muito semelhante à de Abraão, com o qual havia começado a história da reciprocidade, do diálogo entre Deus e Israel. A decisão de dar ao filho o nome “João”, com certeza associa os dois grandes momentos que abrem o Antigo e o Novo Testamento. A analogia sugerida pelo Evangelho é compreensível pela reação dos familiares que participavam do rito da circuncisão, que marcava o ingresso no povo de Israel: «“Não existe nenhum parente teu com esse nome!” ». É útil saber que o mundo antigo se percebia como um eterno ciclo; aquilo que acontecia na natureza, a repetição das estações era o espelho de um outro ciclo, o da história, na qual o homem era inserido como por um fato, um destino ao qual ele era rendido. Assim pensava Abrão quando “ciclicamente”, repetia os percursos que seus pais haviam feito por séculos conduzindo o seu clã e seu rebanho. Mas Deus interrompeu o ciclo com uma proposta. Era o início da fé. Certeza de que a história vai para uma direção e esta direção leva a Deus. Mudar de direção não foi difícil para Abrão, mas o que significava tudo isto sim. Tratava-se de se lançar em algo novo, renunciando à certeza garantida que a “ciclicidade” dá. O mesmo passo o deu Zacarias: interrompeu, com um ato de profunda fé o ciclo que queria a repetição dos nomes dentro de uma família como símbolo da continuidade das coisas.

Um nome novo significaria uma vida nova, uma existência completamente entregue àquele Deus do qual havia desconfiado um tempo atrás. «João é seu nome» escreverá Zacarias numa tabuinha de barro. Gesto que nos recorda o pedido de Jahvé a Isaías: «Vai, pois, escreve isso numa tabuinha de barro, escreve-o num livro, para que fique registrado para os dias vindouros, para sempre, perpetuamente.» (Is. 30,8).
«João é seu nome»: começa uma era nova! Começa um caminho desconhecido que exige amor e fidelidade no qual não existe motivo de “pedir uma prova a Deus”, pois o nome deste caminho se identifica com o nome do filho de Zacarias: “João”, que significa: “Deus é favorável”!

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