sexta-feira, 15 de junho de 2007

XI Domingo do Tempo Comum (Pe Carlo)

Brilha como uma perola no Evangelho de Lucas o episódio que acabamos de ler. É o toque de classe dentro da teologia do Evangelista que sempre indicou Jesus como “salvador”; de fato é com esta ênfase que anjo caracterizou Jesus aos pastores quando de seu nascimento. Jesus é o salvador que entra na vida das pessoas, no lugar onde elas estão, na situação em que se encontram para resgatar-lhes a dignidade; para recuperar e “salvar” a imagem de Deus impressa em seu íntimo que freqüentemente é violentada. O episódio que acabamos de ler não tem paralelos nos outros Evangelhos, isto indica uma atenção especial dada por Lucas a este evento que deve ter chegado a seus ouvidos, com grande probabilidade, pelo próprio grupo das mulheres que seguiam a Jesus; de fato, por alguns indícios espalhados em seus escritos, parece que Lucas tenha sido bem próximo da família de Maria e das mulheres do grupo de Jesus que nos são recordadas na segunda parte do Evangelho de hoje. Vamos tentar nos colocar no ambiente e na situação para podermo-nos dispor melhor a ouvir quanto Deus quer dizer-nos com sua Palavra.
A estrutura social do ambiente judaico era fundamentalmente patriarcal, isto é, ligada ao pai de família. O pai era a figura dominante enquanto garantia a estabilidade e continuidade do grupo familiar. Subordinadas a esta exigência principal, decorriam todas as decisões, atitudes, formas de comportamento e atribuições com as quais se constituíam os laços que sustentavam a coesão das famílias em si mesmas e com as outras famílias. Ao homem cabia esta função importantíssima. Não creio que seja justo julgar de modo simplório tal tipo de sociedade quando aplicamos -com uma ponta de revanchismo machista ou feminista- a esta os parâmetros de avaliação das relações do nosso universo cultural. Homem e mulher, cada um tinha seu lugar e função bem definidas. Contudo, havia sempre preconceitos, posições e prestígios aos quais muitos não renunciavam e, como é fácil acontecer, sentimentos de poder tomavam conta de muitos homens. Se a Escritura estabelecia igual dignidade no homem e na mulher, todavia este principio básico de fato era quase que esquecido na vida do dia-a-dia. Na prática, por exemplo, a indenização por uma mulher era a metade daquela de um homem (cfr. Lv. 27,1-8).
Em relação a certos tipos de convicções convencionais, Jesus teve atitudes extremamente comprometedoras para ele e seus discípulos; o fato de acolher mulheres em seu grupo era de verdade um escândalo, uma coisa inusitada, absurda, pois nunca algum rabino havia acolhido mulheres entre seus discípulos. Alguns rabinos eram firmes sustentadores de que uma mulher não pudesse sequer se aproximar em público de um homem e falar com ele (veja o espanto dos Apóstolos no caso da mulher samaritana). Imaginemos então a situação embaraçosa na qual se encontrou o fariseu quando uma mulher, conhecida como “pecadora”, de repente se fez presente à refeição oferecida a Jesus. Durante um momento tão significativo, como era numa casa judia o convite à refeição, podia ressoar como uma grave ofensa ao hospede o fato de uma mulher se achegar assim como está narrado no texto.
Como ela tenha entrado em casa também não é difícil descobrir, pois freqüentemente a refeição oferecida a um hospede se dava no terraço da casa, uma laje coberta com taquaras ou folhagens como um caramanchão (cfr. At 10, 6-12); entre casas adjacentes era fácil e costumeiro usar estes terraços como se fossem verdadeiras ruas.
A mulher entrou, sem ser convidada. Ora, quando a reação mais esperada seria a de manifestar um certo mal-estar diante do que estava acontecendo, Jesus reage de modo inesperado, a despertar admiração, bem no estilo de Deus que sempre surpreende o homem quando mostra quanto «seus pensamentos são distantes dos nossos pensamentos tanto quanto o céu é distante da terra» (como dizia Isaias 55,9). Não somente Jesus não ficou embaraçado, mas com toda naturalidade se deixava tocar! Permitia à mulher expressar, da sua maneira, aquilo que estava em seu coração. Quando todos esperavam, ao menos, que Jesus tivesse um gesto de recusa, Ele demonstrava não somente de não se esquivar das demonstrações de afeto, mas também aceitar o presente trazido por ela, um perfume ...e isto era muito “perigoso” ao ver da opinião pública. Ainda mais se levarmos em consideração que o perfume tem ainda hoje grande significado no mundo oriental. Perfumes eram o dom mais agradável que pudesse ser oferecido a uma mulher pois simbolizavam, de alguma forma, a envolvência do amor que não pode ser identificado mas que permeia tudo. Era também sinal da benção de Deus e voto de prosperidade. Para indicar que uma pessoa era bem-vinda numa casa e que sua presença era uma “benção” para aquela casa o pai de família punha na cabeça do hospede um perfume com consistência gelatinosa que, com o calor do corpo, progressivamente ia exalando seu aroma.
O fariseu não teve a sensibilidade de colocar “perfume” na cabeça de Jesus: quando fazemos pouco caso das coisas, provavelmente é porque estas não são tão expressivas nem importantes para nós, e isto Jesus o intuiu. A este ponto se compreende facilmente a beleza do gesto da mulher e a profunda sintonia de coração que Jesus encontrou nela.
Nunca saberemos por que, nunca saberemos o que antecedeu o gesto da mulher, mas de alguma forma Jesus havia entrado em sua vida e ela estava oferecendo-lhe tudo quanto até então tinha sido a sua vida, feita de perfumes e cabelos soltos –gesto que era próprio de uma mulher que se oferecia-.
Ela não estava dando a Jesus o melhor de si mesma, como todos desejam dar a Deus, talvez estivesse entregando-lhe exatamente aquilo do qual se envergonhava, mas, paradoxalmente, estava ao mesmo tempo oferecendo-lhe realmente o melhor de si mesma: a capacidade de amar e recomeçar.
Não se importando com as considerações e rótulos aplicados indiscriminadamente por pessoas que se importam principalmente em manter a própria posição e imagem diante de todos, Jesus e a mulher se haviam encontrado. Ela não se sentiu recusada. O que para ela estava pesando tanto era acolhido sem condições por Jesus, como um dom.
Ambos não tiveram medo de perder a imagem para descobrir dentro do coração do outro o mundo maravilhoso que existe apesar de qualquer condição em que a vida leve a viver. Era verdadeiramente o “salvador”, Jesus, aquele que devolvia a dignidade ferida com seu amor sem condições. Jesus a salvava porque o amor salva.
O perfume que lhe dizia “bem-vindo”, Jesus o encontrou entre as lágrimas da mulher, “bem-vindo em minha vida” diziam aquelas lágrimas carregadas do amor que uma mulher que se sente amada sabe dar.

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