sexta-feira, 13 de julho de 2007

15° Domingo do Tempo Comum (Pe Carlo)

O episódio que hoje a liturgia nos propõe se coloca na grande perspectiva do Evangelho de Lucas que vê a vida de Jesus como uma longa viagem em direção a Jerusalém, a Cidade Santa na qual, segundo a visão messiânica dos judeus, Deus deveria mostrar todo o seu poder e instaurar definitivamente sua soberania. Naquele dia, contemporaneamente à manifestação do “dia do Senhor” seria manifestada ao mundo a “justiça” de Israel, justiça que significava para os hebreus, fidelidade à Lei dada por Moisés como diz o texto do Levitico: «Observareis todas as minhas leis e meus preceitos, por meio dos quais, qualquer um que os praticar, viverá. Eu sou o Senhor» (Lev. 18,5). Seguir e cumprir a Lei depositada nos Escritos Sagrados tornaria Israel um povo santo e capaz de realizar a sua missão: «Vocês serão santos porque Eu, o Senhor sou Santo, vos separei dos outros povos para serem meus» (Lev. 20,26).
Na visão de Lucas, indo para Jerusalém Jesus realizava, sim, o verdadeiro designo de Deus, mas não pelos caminhos que a religiosidade judia previa. Jerusalém, tanto nos escritos do Antigo Testamento, quanto nos Evangélicos, se tornou o lugar por antonomásia da definição da luta entre Deus e seu inimigo, entre o orgulho -fonte e origem do pecado- e a humilde disposição, que é a atitude de quem se sente servo de Deus. Sendo assim, as duas mentalidades são representadas pelo dialogo entre o doutor da Lei e Jesus, um que precisa de certezas e garantias, precisa saber quais são os passos para chegar a Deus, o outro que propõe uma lógica que não passa por motivações escritas.
Vejamos quanto o Evangelista quer nos sugerir.
A pergunta do doutor da Lei é tendenciosa e feita em duas etapas; em primeiro lugar ele quer garantir-se o beneplácito de Jesus que, -embora tendo restrições- considera “mestre”, para depois formular a verdadeira questão que estava cultivando dentro de si. O doutor se aproximou pronunciando a frase clássica de todos os que queriam seguir um rabi ou um novo mestre da Lei que dava a sua opinião : «O que devo fazer para herdar a vida?». Com esta expressão formal o individuo se colocava à disposição do novo mestre para fazer quanto lhe seria proposto. Jesus não respondeu ao doutor da Lei dando uma fórmula, uma solução barata, como se a salvação (que significa felicidade, plena realização) fosse um objeto de conquista para possuir o qual é preciso conhecer os meios mais eficientes. Não é assim.
Jesus colocou o doutor na condição de ser ele mesmo o parâmetro do que significa “salvação” pedindo-lhe de “ler” ele mesmo a Lei que tanto prezava e servia. “Ler” com outro ponto de vista, filtrar além daquilo que esta diz, superar os limites que toda lei carrega em si mesma; limites que Paulo chama «maldição da lei» (Gal3,13), pois somente nos dizem até que ponto somos ou não obrigados a fazer algo ou não faze-lo, e assim, apresentando a solução mais fácil, sufocam a imprevisível criatividade de um coração que sabe amar. Infelizmente aquele que conhecia tão bem a Lei não teve coragem de responder mais do que a lei dizia. Laconicamente e com uma ponta de tristeza Jesus via frustrada a sua oferta ao ouvir a repetição mecânica das palavras escritas. Para quem não tinha coragem de arriscar só podia haver uma resposta: «muito bem..faz isto e viverás», é como se Jesus lhe dissesse: “se é nisto que você acha que consiste a Vida –como dizia o Levitico acima citado- pois então faça o que a Lei te diz e terá o que esta lei te oferece”. O doutor entendeu perfeitamente quanto Jesus lhe sugeria por isso que quis «justificar-se da pergunta». É evidente que, não se limitar ao certo e errado, a o que devo fazer ou não fazer, é bem mais difícil do que viver cobertos pela garantia que nos oferece uma lei que me diz: “você está certo”... Afinal das contas a lei não nos envolve, simplesmente nos coloca numa ou outra situação; contudo não permite ao nosso coração de dar o melhor de si mesmo justamente porque não diz respeito à opção fundamental de nossa vida a qual, única, é capaz de dar coragem, entusiasmo, criatividade. A morte do coração é quando dizemos a nós mesmos: “a lei diz assim e é assim que eu fiz”. Isto é morte porque a vida é o amor e o amor não tem limites, o amor não mede, a norma sim! Jesus tentou ensinar ao doutor em que consiste a felicidade, a realização, a “vida”; para tanto utilizou a segunda pergunta do doutor da Lei: «quem é o meu próximo?».
Aparentemente a pergunta parece insignificante e banal, todavia esta adquire seu significado pleno se levarmos em consideração o conceito de “próximo” na mentalidade judia. Segundo esta o “próximo” é aquele que faz parte do meu grupo, da minha família, daqueles que pensam como eu etc. Esta visão, logo, induz a fracionar o mundo, a fazer distinções e até divisões; evidentemente o doutor não entendia a amplitude da idéia de “próximo” de Jesus, uma vez que Ele não fazia distinção nenhuma nem partidarismos. Ora, a pergunta tem um outro aspecto, o que interessa de verdade ao doutor e que, creio, nos induz a fazer um bom exame de consciência. Digamos que a mesma pergunta pode ser simplificada desta forma (já que o contexto e a semântica o permitem): “Afinal, quem está perto de mim? Quem vai ficar do meu lado?”
A lei sempre garante a aprovação de um grupo; mas arriscar de ultrapassar a lei, arriscar de envolver-se pessoalmente, arriscar de não ter “ninguém”, nenhum apoio de amigos ricos ou de prestigio, arriscar em seguir uma lógica que prescinde de tudo isto que os “meus” me oferecem... é bem mais complicado. Assim se compreende melhor a preocupação do doutor da Lei. Jesus responde com uma história que não temos agora como analisar em seus belíssimos particulares; me permito somente salientar alguns elementos.
A história que o homem vive confirma em sua lógica a atitude que Jesus sempre teve: não existe uma regra preestabelecida que funcione como fórmula. A solução se encontra eventualmente, nas situações imediatas que a vida oferece, pois nelas é que Deus fala.
O sacerdote estava “voltando” de Jerusalém, onde havia oficiado o culto a Deus mas... não havia se encontrado com Deus; o levita também, preso às normas de pureza ritual não entrou em contato com o infeliz ensangüentado, somente o fez um samaritano que «passava por acaso». É nas situações imprevistas, eventuais, que vem à tona o que está dentro do coração e é isto que nos dá a noção exata do que é ser “próximo” de alguém.
Àquele que perguntava a Jesus: «quem é o meu próximo» Ele respondia: “você saberá quem é teu próximo somente quando tiver sido o próximo de alguém”. Ser próximo é ter sentimentos de “com-paixão”, isto é, sofrer com o que o outro sofre, sentir o que o outro sente; não é estabelecer laços que garantem umas certezas. Aquele que terá estes sentimentos fará uma nova descoberta. Não é difícil saber em que esta consiste, se prestarmos atenção a um pequeno detalhe do Evangelho de João (8,48) pelo qual sabemos que, com ar de desprezo, Jesus era qualificado pelos próprios doutores da Lei com o epíteto de “samaritano”.
Sim, quem tiver com-paixão poderá descobrir que Jesus é seu “próximo”, Aquele que fica sempre ao lado, curando as feridas do coração com óleo e vinho. Então não haverá mais necessidade de artificiosas seguranças.
Deus te abençoe.

Pe.Carlo
centrobiblicord@yahoo.com.br

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