quinta-feira, 20 de setembro de 2007

25º Domingo do Tempo Comum (Pe Carlo B.)

Longe de ser uma ideologia desligada dos interesses quotidianos, longe de apresentar-se como uma doutrina que busca a tranqüila e serena felicidade através do domínio ou da extinção de paixões, a mensagem de Jesus envolve o homem inteiro, assim como é, em cada situação que vive. Jesus não dirige sua oferta do Reino a um ou outro aspecto da pessoa humana, ma a ela, a ela como um todo. È obvio que, sendo assim, no processo de educação que Jesus desenvolve com seus discípulos, não podiam faltar questões tão comuns e envolventes como a do uso do dinheiro. È este o tema da parábola e do comento de Jesus que acabamos de ler.
Para que possamos ter uma disposição quanto melhor possível para compreender o tema de hoje, creio que seja oportuno de início livrar-nos de alguns preconceitos os quais, sem dúvida alguma, não nos permitem penetrar as palavras de Jesus para pode-las aplicar à nossa vida. Freqüentemente a figura de Jesus é apresentada como a de um homem pobre, cercado por homens também necessitados que viviam de esmolas, sem dinheiro. È claro que esta imagem não corresponde à realidade, principalmente porque confunde “pobreza” com “miséria”. A miséria não é um valor, a pobreza sim. A miséria é fruto da injustiça, que reduz pessoas a viver num estado indigno, ou é resultado de decisões e atitudes erradas que a pessoa toma para a própria vida. A miséria não é quista por Deus nem direta nem indiretamente. A pobreza, pelo contrário, é um valor para Jesus e os seus discípulos. Destes, não temos indícios que fossem miseráveis, ao contrário, muitos tinham um boa condição econômica: Mateus lidava com finanças, Tiago e João tinham uma pequena empresa de pesca, Pedro também trabalhava em próprio. Jesus pertencia à categoria dos artesãos os quais faziam parte daquela que, hoje, chamaríamos “classe média”, possuía oficina própria, casa própria, enfim, ocupava a mesma posição da maioria de nós, hoje. Seus amigos pessoais, descritos nos Evangelhos também pertenciam a esta categoria de pessoas, sem contar outras pessoas que O freqüentavam as quais eram de elevada posse, José de Arimatéia, Nicodemos, Joana – mulher do administrador do Rei, etc. Isto nos diz que eram pessoas que sabiam o valor do dinheiro e também sabiam usá-lo. Sendo assim, a proposta de Jesus quanto ao uso do dinheiro, se torna possível para todos, porque não vem de pessoas que não sabem o que é o dinheiro –o que dificultaria dar crédito às suas palavras- mas que sabiam exatamente o que significa ter posses e a estas renunciar em virtude de um valor maior.
Esta é a pobreza. Grande valor para Jesus, uma proposta para todos, uma das mais difíceis ainda hoje, como era de difícil aceitação também para a grande parte dos hebreus. Para compreendermos o impacto que tal proposta tinha, é útil levar em conta a convicção dos hebreus daquela época (que também hoje se encontra em confissões religiosas, como os Calvinistas, ou outras organizações de inspiração religiosas como os Mórmons etc.) ou seja: a riqueza é o sinal que Deus dá de sua aprovação ao comportamento das pessoas. Os hebreus chamavam isto de “shalom” que indica uma mistura de paz e bem-estar, abundância e tranqüilidade. Quando Jesus diz: «não vim trazer a paz» refere-se a este tipo de “paz”; «eu vos dou a minha paz», dirá.
Jesus contradiz o “Shalom” judeu oferecendo a pobreza como desafio alternativo. Pobreza e bom uso do dinheiro são fundamentalmente associados para Jesus, pobreza não indica recusa do dinheiro, mas atitude correta, digna, bem finalizada.
Para explicar o significado das opções alternativas de Jesus e seus discípulos, ele usa como exemplo um fato ocorrido entre um senhor e seu administrador. Na época de Jesus, na Palestina, o administrador não era remunerado por um salário; existia um tácito acordo entre o dono dos bens e o administrador, este podia usar dos bens do dono para emprestá-los e recebe-los de volta com juros; esta seria a parte de lucro do administrador. O administrador devia simplesmente apresentar a movimentação dos bens com uma documentação que coincidisse com o estoque. Sendo assim, o administrador que fora despedido por desonestidade, pensou bem de renunciar à sua parte de lucro abaixando a movimentação do estoque, desta forma por um lado estava devolvendo ao patrão uma parte dos bens lesados, por outra parte estava diminuindo a divida daqueles que haviam pedido trigo e óleo emprestados. O dono louvou a esperteza mostrada na capacidade de renunciar ao seu lucro para melhorar sua posição diante do dono e diante dos devedores. Se não podia ser mais julgado capaz de administrar, pelo menos adquiriu amigos e estima do dono, simplesmente desapegando-se de seu lucro.
Jesus sugere esta mesma atitude nas coisas que dizem respeito à vida, ao uso dos bens. Enquanto estivermos apegados a tudo quanto possuímos, só teremos quanto possuímos, nada mais. Ora, o que se possui inevitavelmente é destinado a se tornar insignificante para nós quando intervierem situações que nos atingem bem mais. O que importa, por exemplo, o valor que recebemos de um seguro quando perdemos a pessoa amada? Quanto importa o que temos depositado no banco se uma doença irreversível nos mantém presos a uma cama? E, quanto custa uma amizade? Um dia de nossa vida? Um sorriso dado espontaneamente porque somos amados?
Tanto a busca de riqueza quanto a fuga do dinheiro são termos opostos de um desequilíbrio interior. A primeira demonstra na pessoa uma insatisfação infinita, junto com um profundo sentimento de inferioridade que é acobertado pela aparente segurança dada pelos bens. De fato, se é verdade que “precisamos do dinheiro”, todavia é licito se perguntar: até que ponto a busca é “porque precisamos para viver” ou porque precisamos preencher alguns vazios de nossa vida ? E ainda, quando termina o “precisar”?
A segunda atitude, a fuga, também demonstra não liberdade pois sempre que fugimos de alguma coisa esta sempre dominará o nosso inconsciente. È mais difícil viver com atitude de desprendimento dos bens do que viver sem eles. Jesus faz uma proposta para pessoas maduras: o uso correto, tanto na atitude quanto na finalidade. Tanto a busca sem limite, quanto o descaso ou desprezo do dinheiro mantém o homem na «escravidão», como diz o Evangelho. Ora, quem é escravo, não tem o coração livre para amar totalmente nem a Deus nem as pessoas.
Se você quiser conhecer verdadeiramente uma pessoa.... dê-lhe dinheiro nas mãos, em pouco tempo será claro a todos “quem” de fato ela é, como também será claro o significado de suas palavras e convicções. E isto Jesus o sabia muito bem.
Quanto ao uso do dinheiro, o Evangelho é claro: que sirva para fazer o bem, para aliviar o sofrimento daqueles que hoje não têm como retribuir; que sirva para criar amizade, fraternidade. Isto é bom uso dos bens.
Quanto à atitude, o Evangelho sugere o desapego. Seu significado, creio, é muito bem exposto por Paulo aos cristãos de Corinto aos quais escreve: «Irmãos: o tempo se faz breve. Por isso, ...os que compram, vivam como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se não usassem. Porque a figura deste mundo passa» (1Cor 7,30). Ou seja: já que o Reino de Deus é uma realidade muito perto de vocês, busquem este; quanto ao resto continuem fazendo o que faziam, mas tendo o coração projetado naquilo que é o bem maior. Se isto acontecer, vocês terão a liberdade do coração; esta vos permitirá viver “como se”, isto é, profundamente envolvidos em tudo, mas possuidores de uma realidade tão rica que vos permite superar qualquer proposta inferior, que vos amarra.

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