sexta-feira, 5 de outubro de 2007

27° Domingo do Tempo Comum ( Pe. Carlo B.)

A Palavra de Deus que a Liturgia hoje nos oferece, diz respeito a um dos desejos mais bonitos de toda pessoa que não interprete a sua dimensão espiritual somente como uma das tantas coisas da vida, que não se detêm nas praticas religiosas mas entra no maravilhoso caminho da fé. Caminho este tão fascinante quanto tão mal interpretado e instrumentalizado.
Se entre a metade de 1800 até o século passado estava em auge o mito do homem capaz de viver autonomamente, desvinculado de qualquer dimensão transcendente que, segundo o dizer comum, era aliciante e extraia a pessoa do verdadeiro mundo, hoje esta visão mostrou plenamente seu fracasso. Teorias como aquelas, evidenciaram sociologicamente e existencialmente sua intrínseca inconsistência. De fato, a tentativa de eliminar a fé no coração das pessoas por meio de violências praticadas por regimes nomeadamente ateus, resultou numa perca de identidade dos próprios povos. Este fato se retorceu sobre os mesmos sistemas, derrotando-os a partir de seu interior. O mesmo ocorreu no contexto existencial, no caso de outros sistemas economico-culturais que quiseram substituir o anseio profundo do coração do homem pelo mito do bem-estar: acabaram vítimas da fuga em massa e da desconfiança difusa. Drogas, violência, complicação dos relacionamentos interpessoais, depressão e neurose generalizadas, fuga da responsabilidade do individuo com a vida, diminuição da natalidade e mais ainda, são os efeitos da violência subliminar praticada como método, a fim de impor um sistema controlado e controlável.
A história ensina que toda vez que se forçam as situações num sentido, inevitavelmente se prepara o terreno para o seu oposto o qual, freqüentemente, irrompe de forma desequilibrada. O contexto no qual hoje vivemos é caracterizado justamente por uma proliferação descontrolada de formas de fideísmo. Somente em torno do ano 1000, quando as pessoas esperavam pelo fim do mundo, se registrou um número tão elevado de formas e práticas religiosas excêntricas quanto hoje. Como era por se esperar, ao lado de uma fé sadia e equilibrada, que envolve o homem, como diria Jesus: “com todo o coração, com todas as forças e com toda a alma”, estamos assistindo à proliferação de seitas e formas religiosas; proliferação proporcional ao integralismo pregado por estas. Clara manifestação esta de que, também a vida interior foi minada pelo mesmo principio da fuga: quanto menos se pensa melhor fica, quanto mais claras e rígidas forem as regras, tanto menos precisa se envolver. Obviamente não é esta ligação irracional e fundamentalista que pode ser chamada “fé”. Crendice e fé são duas coisas completamente diferentes.
Percorrendo a Escritura se nos apresenta uma imagem muito bonita da fé, totalmente distante de qualquer exaltação irresponsável.
São Paulo aos cristãos de Roma aponta em Abraão o símbolo da fé nestes termos: «Pois que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e isso foi considerado como justiça» (Rm 4,3); isto é: Deus reconheceu em Abraão a atitude ideal no relacionamento do homem com Deus. Muitos outros personagens na Bíblia são conhecidos como pessoas “de fé”, primeira entre todas Maria de Nazaré. Ora, embora em todos os casos narrados na Escritura a “fé” tenha momentos fortes e únicos, todavia nunca a fé é vista como o gesto de um acontecimento isolado, quase que extraído do conjunto da vida da pessoa que o faz.
A fé é sempre resultado de uma posição assumida, de uma atitude fundamental pela qual a pessoa se coloca diante de Deus com todo o conjunto da sua existência. A fé é ligada a historia, ao tempo, à vida construída entre duas pessoas que se colocam, dialeticamente, uma diante da outra, com responsabilidade recíproca e comprometedora. Qualquer ato de fé é o momento de um processo; um processo que tem origem na opção fundamental com a qual acolhemos Deus assim como Ele é (e não como a imagem daquilo que nós achamos). Este processo continua no tempo, pela adesão dada através de uma história nova que se constrói a partir do próprio ato de fé.
A fé, logo, não se improvisa nem “cai do céu”, isto é o que ainda não haviam compreendido os Apóstolos, aos quais Jesus respondeu que fé deles era menor do que um grão de mostarda. De fato, bem pequeno tinha sido o percurso feito com Ele; bem pouco haviam entendido de sua pessoa! A história vivida com Jesus não era suficiente sequer para entrever o verdadeiro mistério do qual era portador. Nem o sofrimento e a derrota os Apóstolos haviam conhecido, nem sabiam o quanto era grande o poder e as forças do mal e quanto maior destas fosse a fidelidade do Pai ao amor do Filho...
Quantas coisas não conhecemos de Jesus ! Quão pouco caminho percorremos junto com Ele e já nos iludimos de possuir uma grande fé! Quanto ainda não acreditamos que a sua fidelidade é tão grande que é capaz de modificar nossa vida plenamente. Os Apóstolos tinham um santo desejo, sim, mas este devia passar por uma história, uma longa história construída dia após dia, pois a história é realmente o filtro de nossa fé, é ela que nos diz claramente em que medida somos capazes de “dar um crédito” a Deus. E isto se aprende, não se improvisa!
A origem da palavra “fé”, na Escritura, é ligada a duas atitudes, vinculadas uma à outra e dependentes reciprocamente: fidelidade e confiança. Fé, nestes termos, é a certeza baseada sobre a fidelidade recíproca entre Deus e o homem.
Naturalmente é algo que precisa de tempo para se descobrir; sabemos quanto uma pessoa nos ama pela sua fidelidade e pelo crédito que é capaz de dar. A descoberta do significado da fé é lenta, paciente, não ostensiva e imediatista. Somente dentro do nosso coração “sabemos” o quanto Deus nos amou, não obstante tudo...; sabemos quanto Ele foi fiel quando não o fomos...; sabemos quanto podemos contar com Ele. Fé não é um sentimentalismo que nos dá sensações de tranqüilidade e pacífica abstração dos dramas do mundo. Fé é um envolvimento pessoal que toca cada uma e todas as fibras do nosso ser; é uma atitude que se enraizou com o tempo e que se fundiu conosco. Quem possui a fé a traz consigo esta dimensão e com ela modifica qualquer contexto profano ou laicista, que exclui a lógica divina. É uma dimensão de vida de fidelidade e confiança em Deus que aprendemos no coração e com decisões que correspondem às decisões que Jesus de Nazaré (e não uma imagem de um Jesus ideal, que existe somente na nossa mente) tomou para si e para com as pessoas. A fé realmente liberta porque compromete no envolvimento e na fidelidade.
Quando tivermos aprendido quanto é fiel Jesus, quanto Ele é capaz de dar um crédito a nós, quanto também nós somos capazes de “crer” Nele, então teremos a certeza de que até o que nos parece impossível acontecer em nossa vida, o que parece já ser um dado de fato que não tem como mudar, pode ser mudado como uma amoreira da terra para o mar.
É a força do amor, descoberto passo-a-passo através da fidelidade e da confiança.

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