quinta-feira, 13 de março de 2008

Domingo de Ramos (Pe. Carlo)

O caminho da quaresma nos trouxe até o dia de hoje, domingo em que abrimos à meditação do nosso coração, numa forma mais intensa e comunitária, os últimos e misteriosos momentos da vida de Jesus. A celebração litúrgica de hoje se desenvolve em duas partes que dão a sensação da evidente contradição que se têm diante de Jesus. A alegria e exultação messiânica da primeira parte conflitam com a solenidade e austeridade da segunda. Os cantos e gestos de enaltecimento de Jesus parecem aos poucos dar lugar a um profundo silêncio, à ausência de comentos que a celebração desperta com a leitura da Paixão de Jesus. O barulho dos ramos que agitamos perde-se na sensação de vazio, no sentimento de inutilidade das palavras perante aquilo que só deve ser contemplado e só pode ser percebido com a inteligência do coração.
Permito-me somente acompanhar a leitura e partilhar alguns sentimentos com a esperança que possam aproximar-nos mais de Jesus.
O evangelista Mateus oferece à nossa reflexão a narração da Paixão sob o prisma do último ato da progressiva revelação de Jesus. Não é por acaso que o ingresso em Jerusalém, com o qual se dá inicio ao desfecho da vida de Jesus, começa com uma pergunta que faz a multidão: «Quem é este?». É a mesma pergunta a encontramos nos lábios dos Apóstolos, nos primórdios de sua experiência junto com Jesus; naquele dia em que estavam com medo de afundar junto com sua barca, varrida pelas ondas do mar da Galiléia. Perguntavam-se uns aos outros: «Quem é este?». Este questionamento, que acompanhou por muito tempo a vida do pequeno grupo de discípulos; agora estava na boca de toda uma multidão, dos mesmos que abanavam seus ramos, que gritavam “hosana”... sem saber para “quem”. Será a última vez, no evangelho de Mateus, que alguém vais se perguntar: «quem é este?».
A multidão que festeja acredita saber quem é Jesus, por isto O acolhe em Jerusalém como acolhia os antigos reis de Israel, estendendo seus mantos no caminho por onde ele andaria (2Rs 9,13). O gesto, por si é significativo pois o “manto” -assim chamado-, de fato era a túnica, da qual ninguém, jamais se separava. A túnica era tão ligada à pessoa que a usava, que a própria legislação judaica proibia deixar um homem sem “túnica”, nem mesmo quando este a tivesse penhorado por dinheiro.
Separar-se espontaneamente do manto, colocá-lo aos pés de Jesus, indicava assim o sentimento de renuncia, mesmo de um direito inalienável. Indicava assim a disposição em colocar a própria vida “aos pés” de alguém. Indicava a opção de renunciar aos próprios direitos. Gesto muito bonito, rico de valores. Gesto que somente pode ter sentido por causa da adesão espontânea e incondicional a Jesus. Gesto que poderíamos e deveríamos fazer de uma vez! ... e renovar dia após dia, se quisermos preparar uma entrada digna de Deus em nossa vida.
Contudo, como sempre acontece quando tentamos “enquadrar Jesus” dentro de um nosso esquema, também a multidão caiu num grave mal-entendido. É verdade que Jesus oferece todo si mesmo para nós, é verdade que Ele sempre se mostrou e continua mostrando-se atento às nossas mais profundas necessidades, mas isto não significa que Ele se sujeite às nossas exigências. Na multidão hosanante coexiste um dúplice sentimento: por uma lado a boa disposição a deitar seus mantos aos pés de Jesus, por outro, porém a expectativa de que o Rei enaltecido seja o “senhor” que resolve de uma vez os problemas. Sabemos que a multidão estava esperando, precisava de um “rei” que a libertaria da opressão estrangeira, quase um novo “Judas Macabeu”, aquele que anos antes havia congregado os israelitas num levante popular contra os estrangeiros.
Não era esta a visão de Jesus. Para eles, como para Judas, Jesus se demonstraria um “falido”, um traidor da causa...Tudo porque o homem espera uma coisa e Deus quer dar uma outra. É assim que inda agimos com Ele muitas vezes.
A multidão, os discípulos, todos parecem “saber” quem é Jesus, ainda Pilatos perguntará desesperadamente: «Quem és tu?». É possível saber quem é Jesus somente se formos capazes de acompanhar até o fim a Sua lógica, nunca se pararmos pela metade quando as nossas expectativas parecem não coincidir exatamente com o que imaginamos que Jesus tenha que nos dar.
Assim como é fácil “hosanar” um rei ao qual atribuímos o poder de resolver nossos problemas, igualmente é fácil esquecer, quando o Senhor não age prendendo-se aos nossos parâmetros, que um dia quisemos colocar o nosso “manto” a seus pés.
É difícil que nos recordemos que um dia demos a nossa adesão incondicional, quando Ele nos conduz por um caminho que nem sequer havíamos imaginado.
Quando isto acontece, aos poucos retomamos, um a um, nossos “direitos”, os mantos que havíamos entregado a Jesus quando esperávamos que Ele nos conduzisse aonde nós queríamos.
Se trata de pequenos gestos, pequenas atitudes; “mantos” que retomamos um a um, progressivamente, como sendo um nosso “direito”, quando Jesus se revela diferente de como O havíamos imaginado.
Eis então a imagem de como se pode e como se deve seguir a Jesus: o amor-sentimento, que conduz a fazer gestos de grande valor, mas que escondem o desejo de que Deus se comporte segundo o nosso parâmetro, deixa o seu lugar, se transforma em amor-adesão numa fé adulta, de “discípulo”. Esta exige, sem dúvida, maior maturidade e coragem. No entanto é mais comprometedora e menos cheia de sensações gratificantes... e nem todos estão dispostos a tanto.
Foi assim que o “hosana” da multidão, pouco depois se transformará no «crucifica-o» por um único motivo: Jesus não se sujeitou a deixar-se instrumentalizar nem delimitar. Ele é o que é. Jesus morrerá sem manto algum, nem aquele das multidões nem aquele que estava nas mãos dos soldados. Mostrará “quem é” revestido somente de seu mistério, tingido com o sangue, sangue de quem dá sem se importar com as definições de quem quer que seja.
Enquanto vivo ninguém pôde, entender “quem” ele era. O Evangelista, no entanto, nos indica que foi possível conhecer a Jesus; sim, mas somente após sua morte e por primeiro por alguém que a vida havia trazido perto da cruz de Jesus: um soldado, pagão. Este, livre de preconceitos, estava aberto diante do evento da cruz, que o tocou interiormente. Não há como compreender Jesus se nos esquivarmos da cruz. Jesus não faz crescer a nossa fé usando milagres e atos prodigiosos; Ele não desce da cruz para demonstrar que é Deus (como lhe haviam sugerido os seus acusadores) a fim de que não tivéssemos em nós uma fé “do prodigioso”, mas sim a fé da “participação” confiante.

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