quinta-feira, 13 de março de 2008

Domingo de Ramos (Ir. Luzia Ribeiro Furtado)

“ESCOLHER A VIDA E ASSUMIR AS CONSEQUENCIAS”

Ao longo destes quarenta dias, fomos convidados a expressar nossa prática de conversão ao Senhor, a partir do convite presente no livro do Deuteronômio: “Escolhe, pois, a vida”.
A Campanha da Fraternidade 2008 encontra um contexto sócio, político e eclesial turbulento... Como os próprios bispos afirmaram em Aparecida, “hoje vivemos uma situação onde já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão, mas de algo novo: a exclusão social. com ela a pertença à sociedade na qual se vive fica afetada na raiz, pois já não está abaixo, na periferia ou sem poder, mas está fora. Os excluídos não são somente “explorados”, mas “supérfluos” e “descartáveis”. (65)
O tempo em que vivemos revela-se muito mais um tempo de escolha da morte do que da vida, pois quando se considera uma pessoa e sua pertença à sociedade algo “supérfluo” ou “descartável” é sinal que esta sociedade já não privilegia a vida... Pois bem, nesta conjuntura, escolher a vida traz sérias conseqüências... Insistir na escolha da vida leva-nos a correr o risco do conflito, da intolerância, da difamação, da morte...
A liturgia de hoje nos convida a entrar no Mistério central de nossa fé: o Mistério Pascal, contemplando Jesus - o Servo de Yahweh - assumindo todas as conseqüências de sua escolha pela vida...
Desde a aclamação em ocasião de sua entrada em Jerusalém, que celebramos com ramos estendidos até sua morte pública no madeiro da cruz, percorremos, nesta celebração, o caminho feito por alguém que radicalmente escolhe a vida e não teme as conseqüências.
Já no Antigo Testamento, Isaias nos apresenta a coragem e ousadia do Servo que não teme dizer “O Senhor Yahweh abriu meus ouvidos e eu não fiz resistência nem recuei. Apresentei as costas aos que me queriam bater e ofereci o queiro aos que me queriam arrancar a barba, e nem escondi meu rosto aos insultos e escarros.. O Senhor Yahweh me ajuda, por isso não me sinto humilhado...”(Is 50, 6-7).
A atitude do Servo anunciado por Isaias, nós reconhecemos em Jesus que não recuou diante da morte iminente, conseqüência de sua coragem de defender a vida, mesmo quando esta defesa representava ameaça ao sistema sócio-político-religioso de seu tempo.
Para o livro do Deuteronômio, escolher a vida, significa obedecer a Deus, viver segundo sua vontade e seus mandamentos... Essa foi a prática de Jesus: “Sendo de condição divina, esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo fazendo-se em tudo semelhante aos homens... humilhou-se ainda mais, fazendo-se obediente até a morte e morte de cruz”(Fl 2,6-8).
A Semana Santa, que iniciamos com a celebração da Paixão do Senhor neste domingo de Ramos, nos permite refazer com Jesus seu caminho de fidelidade radical ao Pai e à humanidade e, por outro lado, observar os outros personagens envolvidos na trama para matar Jesus, em sua escolha medíocre, covarde e em alguns casos, não declarada pela morte.
É o Evangelho de Mateus que neste domingo nos anuncia o mistério da paixão. Ele começa narrando a atitude de Judas que procura os chefes dos sacerdotes oferecendo-se para entregar Jesus em troca do que eles puderem lhe dar... Fato certamente comum naquele tempo e não menos comum em nossos dias: a moeda compra vidas, vende vidas, destrói vidas... entrega inocentes... serviço oculto, sujo... que nos leva à recordação de uma multidão de inocentes comprados, vendidos, traídos, mortos por trinta, cinqüenta, cem moedas... até quando?
Prossegue Mateus narrando a celebração dos Ázimos na qual Jesus, no pão e no vinho, preanuncia sua entrega em favor de muitos... Neste contexto, Jesus alerta Judas mas este não tem coragem de recuar... Alerta também Pedro e os outros discípulos, mas provavelmente eles não compreendem o que estão vivendo, não mergulham na gravidade da situação em que Jesus, o Mestre se encontra.
Como todas as pessoas que escolhem a vida e assumem com coerência esta escolha, Jesus vive uma experiência de profunda solidão... Nunca compreenderemos suficientemente a experiência que Jesus viveu entre o cenáculo, o Getsemani e o lugar do julgamento... Sua solidão e angústia assume a solidão e angústia de todos aqueles e aquelas que na história viveram e vivem a perseguição e a morte por força de sua fidelidade ao Pai e à vida.
Na calada da noite, enquanto ele reza e seus discípulos dormem, chega o exército dos chefes dos sacerdotes... Ação de emboscada... Talvez em nossas cidades já ouvimos falar como funcionam estes exércitos da noite: humilhação, invasão de privacidade, violência, tortura... O Filho de Deus se submete a esta experiência, passa de sujeito livre a objeto preso nas mãos da lei como um malfeitor... aquele que não cometeu pecado!
Poderíamos parar aqui com nossa reflexão, mas Mateus quer nos convidar a ir com Jesus até o limite de sua entrega, e o vemos levado de um tribunal a outro: Caifás, Pilatos, a multidão...
As últimas palavras de Jesus fazem dele um réu confesso: “Vocês verão o Filho do Homem sentado à direita do Todo Poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu”. Pecado de blasfêmia que merece a morte... Sim, porque assumir a condição de Messias, Filho de Deus e Filho do Homem é crime. É impressionante como a arrogância do poder humano é grande! “É réu de morte!” afirma o Sumo Sacerdote...
Desde então Jesus é levado de um lado a outro, submetido a torturas, tratado como um condenado, malfeitor, maldito...
Agora é momento de silêncio... e Mateus narra, neste momento, até onde vai a crise: o Governador Pilatos lava as mãos diante da condenação do inocente... o que indica que a morte de Jesus não foi um ato assumido pelo poder como um todo, mas foi tolerado pela mediocridade e omissão...
Quantos de nós hoje não fazemos como Pilatos, diante das discussões sobre aborto, sobre as políticas públicas de assistência social, sobre violência e pena de morte? Muitas vezes lavamos as mãos por não termos coragem de concordar nem discordar... tentamos nos omitir, justificando-nos em nossa ambigüidade...
A paixão e morte de Jesus são redentoras e são desafiadoras para nós. Ele assumiu até o extremo seu amor e defesa da vida, tornando-se solidário com todos os que na história morrem prematuramente.. Desde sua entrega na cruz, ninguém pode ser considerado “descartável”, somos todos filhos amados nEle, o FILHO AMADO. Por outro lado, desde sua paixão e morte, todos nós somos chamados a tomar posição nos conflitos da história.
Cristo continua morrendo hoje, e ainda hoje nos interpelando... Podemos reagir como Judas, Pedro e os discípulos, Pilatos, Herodes, o Sumo Sacerdote, Maria Madalena...
Que esta Semana Santa seja para nós um convite à conversão: “Ponho então à tua frente dois caminhos diferentes. Vida e morte, e escolherás. Sê sensato, escolhe a vida, parte o pão, cura as feridas, sê fraterno, e viverás!

ir.luzia@click21.com.br

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