quinta-feira, 24 de abril de 2008

6° Domingo Pascal (Pe Carlo)

Continuamos hoje a leitura do trecho do Evangelho do domingo passado. Ainda em clima de despedida, Jesus entrega aos discípulos as últimas e definitivas realidades que, a partir do evento pascal, irão conduzir a igreja na história dos homens como um fermento dentro da massa, rumo à meta definitiva da humanidade. A comunidade de fé é portadora de um novo principio que, com o tempo, poderá gerar uma vida nova, uma nova maneira de ser; dará um significado novo à existência do homem, será capaz de esvaziar de encanto o “gosto do poder” que tanto atrai os que não conseguem encontrar sentido maior para sua vida e precisam sentir-se fortes. É a presença do Espírito do Senhor ressuscitado. Jesus não falava do seu retirar-se como de uma morte, «eu vivo» dizia. A condição de Jesus é eternamente vida pois somente a falta de amor gera aquela morte existencial que se experimenta ao fechar-se em si mesmo. Vida e morte estão entre si em relação como o amor e o egoísmo, a confiança e a autonomia centralizada sobre as próprias convicções. Morte é viver por si e em si, vida é viver fora de si mesmo e para o Outro. Trata-se mais de uma dimensão existencial do que uma quantificação de tempo transcorrido. É isto que a Escritura entende por vida e morte. Entende-se assim, como amor é vida e tudo o que é “não-amor” é morte.
Uma vez experimentado e tocado com mão o principio vivificante do amor que movia Jesus, aos seus discípulos também Jesus assegura: «vos também vivereis». Ele garante que suas vidas terão sentido e sabor novo, significado e força. A comunidade cristã é assim portadora desta “vida”, capaz de dar rumo novo à história dos homens. Vida, não é “duração”, é uma qualidade do existir no mundo; “morte” é inconsistência, vazio, existência sem sentido. A comunidade de Jesus carrega consigo o precioso tesouro daquela força de amor que conduzia Jesus, o Espírito de amor-vida que impele a infinitamente superar-se a si mesmo, rompendo os limites impostos pelo medo de perder. É para este mundo que tem medo de “perder” que Jesus entrega, como por uma última vontade, o desejo que a comunidade leve a cumprimento, durante o tempo dos homens, o que Ele realizou em raiz: ser para o “mundo” o lugar onde é possível conhecer e confiar na sinceridade do amor que Deus tem para com os homens. Esta é a verdade sobre Deus, quando muitas são as opiniões sobre Ele. Estas, muitas vezes afastam as pessoas, as quais acabam trilhando o caminho da morte numa existência insossa e que, sendo assim, precisa do “gosto do poder” para se afirmar. Quem ama não precisa se afirmar, não precisa demonstrar nada, lhe é mais que suficiente o que faz, pois nisto já encontra o sentido de sua vida e a própria realização. O contrário, a incapacidade de amar, de confiar em alguém, conduz à solidão e à desarmonia consigo mesmo e com o mundo.
Os “profundos desequilíbrios dos quais sofre o mundo contemporâneo, encontram sua raiz no profundo desequilíbrio que está no coração do homem”, dizia o Concílio (GS 10). Ora, este “desequilíbrio” que gera as contradições das quais somos expectadores, nasce de um profundo mal-entendido. Com imagens que lhe são próprias, o livro de Gênesis tenta desde então evidenciar a raiz do drama que produz tanta destruição e morte na história dos homens: Deus é tido como rival do homem. A “serpente” induz o homem a “suspeitar” da bondade de Deus. Quando a suspeita se insinua as relações são afetadas. De onde nasce a suspeita? Será porque temos medo da gratuidade? Ou, talvez, porque desconfiamos que alguém possa ser “bom” já que nos sabemos capazes de ser bondosos e egoístas com a mesma facilidade? Se assim for, será que é justo projetar nossos medos e inseguranças, mesmo que inconscientes, sobre Deus? Esta atitude é a “idolatria” tão deprecada no Antigo Testamento e que ressurge também hoje em dia quando fazemos de Deus a projeção do nosso “eu”, recusando a verdade, que é objetiva.
Estamos na raiz, no núcleo da incompreensão da realidade, naquilo que “impede ao mundo de ver” – como diz o trecho de hoje. Enquanto o homem considerar a Deus como o seu rival, como alguém que quer ”tirar-lhe” algo, ele será incapaz de “ver”. Enquanto persistir o medo de ser despojado do valor que o homem percebe ser, ele não consegue perceber que o “espírito”, a lógica que move Deus, é outra. É o desejo de que o homem alcance a sua plena realização e felicidade, é um desejo que não tira mas acrescenta.
Com o conjunto de sua vida, dada em cada momento aos homens em nome do Pai, Jesus quis acima de tudo, mostrar o verdadeiro “espírito” que move Deus em direção ao homem. Com ouvimos: o “espírito da verdade”! Os atos de Jesus, suas palavras confortadoras e capazes de devolver a dignidade, nada de mais elevado queriam expressar do que a “verdade” sobre quem é aquele Deus que os homens tanto temem e que receiam como rival.
Deus que “compete” com o homem... com certeza esta não é a “verdade sobre Deus”. «O que é a verdade?» perguntou um dia Pilatos a Jesus . É evidente que a verdade da qual nos diz o Evangelho não é de forma alguma um objeto da especulação da mente, um paradigma intelectual ao qual se conformar. Este “principio primeiro”, base da lógica do universo físico e moral, a cultura de então chamava “verdade”. Mas na linguagem do Evangelista, que segue a tradição do AT, “verdade” significa algo diferente, significa “lealdade”. Alguém é “verdadeiro” quando é leal, quando é fiel, quando é, como diríamos nós: autêntico, consistente. O que é inconsistente é vão, falso. Falsa é, então, qualquer imagem de Deus que tenhamos fabricado em nossa mente sem dar a Deus a possibilidade de mostrar quem Ele é; isto é “falso”, inconsistente. Com certeza a imagem de um Deus-rival que desvia os sentimentos, que afasta, que relega o homem à tristeza do próprio mundo particular do qual com muito sofrimento poderá sair, esta imagem é falsa, inconsistente. Jesus é o “evento” que declara a verdade de Deus. Suas obras, suas palavras e sua vida dada revelam o autêntico rosto de Deus. Deste Espírito de Jesus, deste amor encarando, a comunidade é portadora. Nela, que experimentou e continuamente experimenta em si a presença do Senhor, aquele Espírito «permanecerá para sempre» a fim de que o mundo possa conhecer a verdade sobre Deus.
Sendo assim, a autêntica experiência de fé, que insiste na comunidade quista por Jesus, supera os limites de um misticismo individualista relegado a sensações, e se transforma numa proposta visível para “o mundo, que não pode ver”. Estas palavras de Jesus ressoam como um apelo, não como uma condenação. É o apelo de Jesus à sua Igreja para que por ela o mundo também “receba” um Espírito novo, capaz de re-equilibrar a desarmonia gerada pelo autonomismo que se transforma na única Lei. Como último desejo, à sua comunidade Jesus pede para que aqueles e ainda não vêem, “vejam” a lealdade de Deus. A Igreja, em cada cristão pode dizer ao mundo: sim, é possível uma vida mais humana confiando em Deus, tendo seu estilo de vida e suas palavras como referência.

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