terça-feira, 5 de junho de 2007

Santissíma Trindade (Pe Carlo)

Antes de debruçar-nos sobre o Evangelho que nos é proposto, gostaria recordar algumas simples regras para podermos usufruir da imensa riqueza que temos diante de nossos olhos; tentemos seguir alguns passos que irão transformar uma leitura em oração, naquilo que a tradição da Igreja chama 'Lectio Divina', leitura orante que irá permear a nossa vida e orientar o cotidiano.
1. Não tenha pressa! Este tempo não te pertence
2. Faça silêncio dentro do coração, acalme as tensões e preocupações;
3. Agora tome consciência de que este momento não é mais um momento comum; estás de um modo especial diante de “Deus enquanto fala”.
4. Peça ao Espírito Santo que te guie no caminho;
5. Deixe primeiro penetrar afetivamente esta Palavra: é de Alguém que te ama!
6. Tente compreender o que Ele quer dizer (e nem sempre é o que EU quero que Ele diga). Esteja disposto a ouvir como um bom discípulo que não antecipa seu Mestre;
7. Agora transforme em oração de agradecimento e de pedido àquilo que Ele te sugeriu. Lembre-se que a maior alegria de um pai é quando o filho dá valor às suas palavras, peça, então que elas se transformem em vida da sua vida.
Deus te abençoe!
Santíssima Trindade

«Disse Jesus a seus discípulos: “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora. Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá na verdade inteira. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anunciará. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará, é meu”.» (Jo 16.12-15)


Apagando o Círio pascal na última celebração do Domingo de Pentecostes, recomeçamos o nosso caminho do “tempo comum”. Com esta denominação se entende todo o longo itinerário que a comunidade dos fiéis percorre deixando-se guiar pelo Espírito cuja vinda revivemos no Domingo passado. Assim, como tudo na nossa vida de fé começou com o belíssimo gesto com o qual fomos acolhidos na comunidade cristã, o sinal da cruz com as palavras que o acompanham: “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, do mesmo modo recomeça a nossa caminhada contemplando a fonte e o sentido da vida de fé: Deus Trindade. Reviver e celebrar hoje a festa da Santíssima Trindade significa recuperar a nossa identidade de fé contemplando o centro da nossa fé: o próprio Deus em si mesmo.
Com certeza adentrar-se na reflexão sobre o íntimo do próprio Deus foi um dos maiores desafios que a história da fé cristã viveu. Sabemos quanto custou e quantos problemas levantou no decorrer da história o esforço para definir de uma vez por todas o que a Igreja havia entendido sobre o que Jesus disse e manifestou sobre o íntimo de Deus. A Escritura não usa a palavra Trindade. Os cristãos precisavam de algum modo encontrar uma expressão que pudesse manifestar a síntese de tudo quanto Jesus dizia sobre Deus; assim, depois de mais de trezentos anos da morte de Jesus, os fieis conseguiram forjar uma palavra que expressasse o mais possível de perto aquilo que haviam intuído sobre Deus. Foi assim que nasceu a palavra Trindade par indicar aquilo que de Deus Jesus havia indicado. Mesmo depois de outros novecentos anos de reflexão ainda permaneciam muitas coisas não claras, precisou mais de um Concílio para tentar esclarecer o sentido de uma palavra que tenta representar, em todo o seu limite, o mistério de Deus. Afinal, como se pode pretender de reduzir aos nossos conceitos algo que os supera?
Mesmo em toda a fragilidade da nossa compreensão de Deus, alguns ensinamentos de Jesus eram claros e deviam ser levados em consideração. Primeiro, o fato que Jesus chamava a Deus de “Pai” num sentido muito diferente da maneira comum de um hebreu invocar Deus. De fato, quando um hebreu se dirigia a Deus chamando-o de “pai” o fazia entendendo o fato de que Deus havia dado origem ao povo de Israel, assim, por exemplo Is. 63,16: «Tu és o nosso pai e libertador, o Senhor!». Nunca se pressupunha uma relação pessoal, o que, ao contrário, Jesus fazia em continuação. Evidentemente usando a terminologia própria de um filho (Ab-bá=Pai) Jesus indicava que entre Ele e Jahvé existia relação específica e única. Uma relação cuja essência encontrava na expressão “filho-pai” o que de mais semelhante havia na linguagem que o homem usa. Esta maneira com a qual Jesus falava de Deus obviamente atraiu sobre si a acusação de blasfêmia. Um hebreu sequer de longe podia pensar que quanto Jesus dizia de si mesmo fosse verdade, pois eles desprezavam o mundo pagão onde era comum imaginar a existência de semi-deuses, como Aquiles. Todos os Evangelhos são constantemente permeados por um diálogo “filial” entre Jesus e Jahvé-Deus; diálogo feito de momentos de alegria, de silêncio, de sintonia, de adesão... em suma, um verdadeiro dialogo entre duas pessoas que se colocam uma diante da outra, face a face, no mesmo nível.
Entende-se como tenha sido difícil tanto para o mundo judeu, quanto para os próprio Apóstolos, conciliar duas convicções ambas verdadeiras: por uma lado os atos de Jesus manifestavam Nele as mesmas características que são exclusivas de Deus, e mais, porque Ele podia se colocar no mesmo nível do Altíssimo? Em base a o quê Jesus se apresentava em direito de modificar a Lei que Jahvé havia dado? Por outro lado todo hebreu sabia que Jahvé é Deus, o único Deus. As mais bonitas orações de Israel começavam com estas palavras: «Escuta, Israel, o Senhor é um» (Dt. 6,4). Como conciliar as duas realidades?
Mais complexa ainda se mostrava a situação uma vez que Jesus falava do Espírito de Jahvé não como uma força de Deus (o que era próprio da visão do Antigo Testamento) mas como uma pessoa; um “alguém” –como, por exemplo em Jo.14- com as mesmas prerrogativas que são exclusivas de Deus. Nunca Jesus se referia ao Espírito como a uma “força”, uma “energia” que Deus dá, mas sempre como a uma pessoa. E mais, o Evangelista surpreende quando lemos palavras como estas: «Eu pedirei ao Pai e Ele enviará para vós um outro consolador» (Jo. 14,15); ora, “outro” indica uma paridade com Jesus, alguém que pode perfeitamente se colocar ao lado dos discípulos com a mesma dignidade e com a mesma condição de estabelecer relações como as de Jesus.
Tudo isto era demais, para qualquer um! Jahvé é Deus, Jesus é Deus, o Espírito não é uma força de Deus mas é Deus !?
Mesmo que possa lembrar uma digressão dispensável, creio que seja importante levar em consideração o grande esforço que a comunidade de fé teve que fazer para compreender melhor o Deus que se havia revelado. È importante porque o esforço de compreender melhor a revelação só se faz quando se tem amor por esta. Assim, por detrás de aparentes especulações creio seja necessário reconhecer o amor que sempre a Igreja teve por Jesus buscando, em suas palavras, aquele sentido profundo que nem sempre era evidente. Ainda, considero importante recordar que a nossa fé não é uma súmula de princípios a serem seguidos, mas o caminhar de pessoas que sempre mais buscam entender o sentido profundo de algo que está continuamente em movimento.

Podemos nos perguntar porque Deus quis revelar-se assim, nesta sua dimensão que chamamos Trinitária; será isto simplesmente um assunto teórico que nada tem a ver com a nossa vida? No entanto, se Jesus nos revelou Deus assim é possível que isto signifique algo.

O texto do Evangelho pode nos ajudar.
Jesus estava encerrando a sua vida junto com os discípulos; as palavras que lemos fazem parte de um grande discurso de “adeus” que segue o lava-pés. Jesus sabia que os discípulos não teriam as condições de entender nada mais do que aquilo que já Ele havia feito. E assim foi, todos –ou quase- O deixaram sozinho depois que Ele recusou pela última vez a lógica da solução mais fácil e mandou Pedro repor a sua espada. Recusando as soluções humanas Jesus estava recusando a lógica que move a maioria dos mecanismos que o homem usa para levar a termo os seus objetivos.
Antes de deixar os discípulos, Jesus indicou que existe uma grande diferença entre as verdades parciais e a verdade que permanece: a «verdade interia». Enquanto o homem segue seus métodos nada mais faz do que se apoiar em verdades parciais, relativas a maneiras de pensar, a tempos, a condições socio-políticas, etc. Estas verdades intermediárias às vezes são tão exaltadas pelos sistemas, que parecem verdades definitivas, absolutas e, assim sendo, são impostas com todos os meios. Quantas vezes nos demos conta que coisas que eram afirmadas com toda certeza, como sendo os caminhos certos para termos um homem mais livre e senhor do seu mundo, na verdade se revelaram uma mentira arrogante e um fracasso total!
Quando o Evangelista João usa a palavra “verdade”, o faz para indicar aquilo que realmente permanece, que os tempos e as mudanças não tiram do cenário da vida do homem. O contrário é ilusório, é mentira, é engano que conduz o homem àquela morte que começa de dentro do coração e continua permeando toda parte do seu ser até destruir sua dignidade (cfr. Jo. 8,44). Pois bem, quando Jesus definiu a si mesmo como “verdade”, não o fez em sentido teórico de princípio, mas no sentido de que a verdade que permanece definitivamente é tudo quanto coincide com a vida, a morte e o sentido que Jesus quis dar à existência. Verdadeira é a história que coincide com o destino de Jesus. O resto é verdade parcial ou, até, mentira. Na medida em que o homem se associa à história verdadeira, também a sua história particular será verdadeira.
Com certeza é difícil associar a própria vida, as próprias opções às opções e à vida de Jesus; quanto mais fácil é confundir o que é intermediário com o que é definitivo! É preciso algo a mais do que um desejo genérico, é preciso algo a mais do que uma sensação. É necessária uma forte e radical decisão a qual surge espontânea quando nos sentimos profundamente envolvidos por um grande amor, pois somente o amor pode fazer com que uma pessoa supere seus limites e experimente que as suas forças são maiores do que acreditava possuir. Não é isto que uma mãe experimenta com seu filho? Soube, um dia, de uma mãe que conseguiu sozinha enfrentar uma onça que havia agarrado o seu filhinho de poucos anos.... o amor transcende os limites e nos revela aquilo que realmente somos. Pois bem, entendem-se assim as palavras de Jesus o qual alenta os seus discípulos indicando-lhes que o próprio Deus, o mesmo Amor vivo que é relação sem limites e sem barreiras, o mesmo Amor que –por assim dizer- faz continuamente transcender Deus em si mesmo num infinito dinamismo, será este mesmo Amor que os «conduzirá na verdade». Eis, então, o Espírito. Ele nos faz experimentar que somos projetados para o infinito, capazes de transcender a nós mesmos pelo amor, norteando-nos na mesma direção em que vai o destino de Jesus. O Espírito nos dá e faz perceber a força do amor do Senhor para conosco, de tal forma que sejamos capazes de apostar tudo sobre Ele.
Tudo isto é dinâmica de amor, é circulação de amor... é o que está no mais íntimo de Deus.
O texto é ainda mais profundo quando diz que o Espírito conduz «na» verdade (e não como alguns traduzem “à” verdade, como se esta fosse um objeto). Conduzir “na” Verdade, significa conduzir a pessoa “em” Jesus, “estando em” Jesus. O Espírito conduz à comunhão, isto é à destruição de limites entre o fiel e Jesus, analogamente a quanto acontece no mais íntimo de Deus, na relação de comunhão sem limites, na circulação e dinâmica viva.
Eis então que contemplar a Trindade, é saber para onde vai e por qual caminho vai a história da humanidade e a história de cada homem de fé; não é uma especulação desligada vaga, pois que uma vez que sabemos para onde vai o caminho, sabemos também como caminhar, e isto é essencial.

“Tu, Trindade eterna,
fogo que sempre ardes e não destróis;
fogo que incineras em teu calor todo egoísmo;
fogo que tiras todo frio e iluminas a alma.
O que podias dar-me ainda, se me destes a ti mesma?”

(Santa Caterina da Siena)

Deus te abençoe.
Pe. Carlo

Nenhum comentário: