sexta-feira, 11 de abril de 2008

4° Domingo da Páscoa (Pe. Carlo)

A imagem do pastor, assim como nos é oferecida pela liturgia de hoje, foi uma das que marcaram mais profundamente as primeiras comunidades cristãs. O “bom pastor” é representado por muitos grafites e pinturas em lugares onde a arqueologia constatou o uso de celebrar o culto do Senhor Ressuscitado, especificamente a Eucaristia. A imagem do “bom pastor” é associada, nas catacumbas (representação que temos ao lado) à missão de Jesus após a morte, mesmo que a parábola, não diga direta e imediatamente a respeito disto. Porque? Porque a Liturgia nos apresenta a figura do “bom pastor” durante o período pascal? As raízes desta visão se encontram bem longe, em partes do Antigo Testamento muito marcantes para a fé judeu-cristã; talvez, seguindo aquelas pegadas, possamos compreender melhor porque esta figura foi tão querida desde o início da fé cristã.
Na cultura e sistema social em que nasceu a similitude, o pastor não era um “pecuarista” como em nosso sistema, o qual tende a aplicar imediatamente critérios econômicos a tudo o que se faz. Hoje raramente se fala de “pastor”, ao máximo fala-se ainda de “criador de ovinos”; desta forma é praticamente impossível compreender as dinâmicas subjacentes à imagem do pastor como aflora nos Evangelhos.
O pastor era um homem respeitado, passava longos dias em silêncio, rompido às vezes pela sua própria voz, com a qual chamava as ovelhas, única companhia junto à do cachorro. Com suas ovelhas tinha uma relação quase de simbiose, conhecendo-as «cada uma pelo nome» -dirá o Evangelho- costume este, que serviria ao pastor, como a lembrar que cada uma delas é especifica. O pastor precisava conhecer bem as necessidade de suas ovelhas e escolher para elas as melhores pastagens, as que oferecessem alimento e segurança. Era, ele, um homem rude, mas respeitado pela sua coragem. Para defender suas ovelhas, era capaz, - como escreveu um historiador da época, Josefo Flavio, de “rachar com seu cajado a cabeça de um lobo ou atirar-se sem medo diante de um urso” (Antig. Jud.). É a esta imagem que Jesus se refere. A de um homem cuidadoso, meigo quando precisa e forte quando houver necessidade; capaz de arriscar sua vida pelo que ama e que, às vezes, nem lhe pertencia –por ser ele, muitas vezes, um simples empregado-.
É um “bom” homem. “Bom”, como o adjetivo dado àquele homem que Deus havia criado. “Bom” porque esquece de si mesmo, porque crê em algo, porque assume as coisas como um todo, pessoalmente, deixando-se envolver sem medir. O bom pastor não se entrega à primeira reação instintiva, por exemplo a fuga diante do perigo. Quem faz isto é o “falso pastor. Isto é, aquele que sempre terá uma justificativa para dar a si mesmo e a todos quando, diante de uma situação difícil e inesperada, que o coloca sem meios termos na condição de escolher entre si mesmo e o que lhe é entregue, escolhe o caminho mais fácil: se esquivar, não arriscar. Ele é falso; um homem não autêntico porque não se deixa envolver, porque não considera o que lhe é dado como “seu”. É falso porque é este o seu critério de avaliação é ele mesmo: “bem no fim - se pergunta- ... o que tenho a ver com isto? A vida é minha, Eu tenho meus direitos!”. Com certeza, mas não foi este o critério que Jesus escolheu para si e para quem tivesse a coragem de segui-lo!
É evidente que os primeiros cristãos interpretaram a vida e a morte de Jesus sob este prisma: ele era realmente o “Bom Pastor”, ideal de todos os que são movidos pelo amor que não mede, que não fica se perguntando se vale a pena ou não, se compensa ou não...
À imagem do pastor, é associada, inseparavelmente aquela das ovelhas. Sentir-se “ovelha”, talvez seja uma das formas de reconhecimento mais delicadas com a qual os cristãos podem dizer o que sentem em relação a Jesus. Definir-se “ovelha” significa ser consciente do que Jesus fez e continuamente faz para nós. É claro que uma terminologia desta, hoje, ressoa como uma afronta, já que o mito contemporâneo parece ser aquele do “cabrito” que não se deixa conduzir e busca sozinho seu alimento. A ovelha, quando tem medo, se ajunta, o cabrito tenta se esquivar por sua própria conta; não busca “Quem” o defenda. Jesus se colocou em relação aos homens de fé como aquele que “defende”, que morre para defender, porque ama.
Quando tivermos entendido que é esta relação com a qual Jesus se nos oferece, a vida se transforma em confiante gratidão, que é amor. Sentir-se carregado, guiado, protegido e amparado nas grandes dificuldades, nas escolhas que a vida nos impõe, nas contradições que temos que enfrentar, é a atitude do cristão que compreendeu a profundidade do amor de Jesus. Quantas coisas, quantas atitudes mudam em nossa vida quando somos livres da escravidão da “autonomia”, que não nos permite dizer que somos as “ovelhas” do Senhor, que precisamos nos sentir amados, conduzidos, protegidos...!
Jesus, se faz conhecer como aquele que sempre continua acompanhando cada uma das pessoas que se colocam diante d’Ele como uma ovelha diante do pastor.
O Senhor, na parábola que ouvimos, aplicou a si mesmo uma figura de linguagem muito forte para o profeta Ezequiel, uma imagem à qual era associada o advento do Reino de Deus. Assim encontramos escrito: «Diz o Senhor Deus: “Eis que eu mesmo procurarei as minhas ovelhas e as buscarei. Como o pastor busca o seu rebanho, no dia em que encontra ovelhas dispersas, assim buscarei as minhas ovelhas; livrá-las-ei de todos os lugares para onde foram espalhadas no dia de nuvens e de escuridão.Tirá-las-ei dos lugares onde foram as reunirei ...e as introduzirei na sua terra.... Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas e as farei repousar, diz o Senhor Deus». Indicando a si mesmo como o Pastor sugeria aos discípulos qual fosse o sentido de sua vida, que os tempos tão esperados estavam ali, diante de seus olhos. A comunidade reunida, após a morte de Jesus, se compreendeu então como o “pequeno rebanho” recolhido pela ação de Jesus. Um pequeno rebanho reunido em torno d’Ele, que o conduziu em novas pastagens, numa terra nova, a “sua terra”. É a terra da nova criação onde a morte e o pecado não podem mais dominar nem representar um perigo intransponível. O Senhor, como o bom pastor havia enfrentado o inimigo; o maligno que age com a força do egoísmo, derrotando-o com sua doação sem condições.
Na parábola percebemos uma rápida transposição, Jesus é a um tempo Pastor e porta pela qual entra o verdadeiro pastor. A salvação já operada, já eficaz, precisa ser colocada à disposição de todos e cada um, até o último dos homens, em sua história, a fim de que todos sejam conduzidos às novas pastagens. Nesta perspectiva, Jesus associa a si mesmo seus Apóstolos, isto é, aqueles que “passaram por Ele”, viveram com Ele e foram permeados pela sua presença. Estes são os verdadeiros pastores. Todavia, exercerão sua missão de “entrar e sair” somente na medida em que forem para as ovelhas o que o Bom Pastor foi. O parâmetro é, e sempre será, a intensidade de doação e o seu limite: o falso pastor perde pouco, o verdadeiro pastor perde tudo.
Esta “voz” falará mais alto do qualquer outra voz, qualquer outra estratégia, técnica, propaganda, pastoral etc. O verdadeiro pastor deixa fluir em si mesmo a voz de Jesus, que ainda conduz as “suas” ovelhas. Naquilo que o pastor é disposto a dar, as ovelhas reunidas pelo Senhor sempre saberão reconhecer a presença -ou não- da voz do Bom Pastor, Jesus.

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