sexta-feira, 25 de maio de 2007

Domingo de Pentecostes (Pe. Carlo Battistoni)

Junto com a celebração da Páscoa, um dos momentos mais fortes da vida religiosa de Israel era reviver a dimensão do caminho o caminho, suas etapas, seus momentos fortes. Tudo isto era celebrado através de um rito que, provavelmente, os hebreus aprenderam das liturgias Egípcias: as peregrinações. Eram festas caracterizadas pela alegria. Eram realmente festas ! Tão bem o salmo nos descreve os sentimentos de um hebreu que podia celebrar sua peregrinação: «Que alegria quando ouvi que me disseram: “vamos à casa do Senhor”, e agora os meus pés se detêm, Jerusalém, em tuas portas...!”» (Sal 122,1). Também a festa de Pentecostes, celebrada cinqüenta dias após a Páscoa, era uma festa de peregrinação.
Para um povo que havia encontrado a própria identidade caminhando no deserto ao lado de seu Libertador, nada mais podia expressar o encanto de se descobrir “povo” do que reviver ritualmente o que significa “caminhar com Jahvé”. De fato, foi aderindo à proposta feita por Deus pelas mãos de Moisés que Israel aprendeu a arte de “caminhar com”; assim fazendo, se descobriu não mais como um grupo de semitas que se deslocavam pelos vales e colinas do Médio Oriente em busca de pastagens para suas ovelhas, mas como um povo, uma nação. Foi “caminhando com” Deus, que descobriram que a história tem uma lógica, que vai para alguma direção e é conduzida por Aquele que fez o tempo. Foi caminhando com Aquele do qual desconheciam o nome, que este mesmo Deus se lhes havia revelado com o nome de “Jahvé”, o que, na língua deles, significava: “Aquele que será contigo”. Esta forma de linguagem significa mais ou menos o seguinte: “Aquele que será algo para você na medida em que estiver caminhando com ele”. Um Deus, então que se faz conhecer pela intensidade e continuidade do caminhar-junto. Não caminhar com Jahvé é, para os hebreus ser um “não-povo” (como recordam o profeta Oséias, 1,6.9; e a 1a. carta de Pedro: «vós que um tempo éreis um não-povo hoje sois o povo de Deus» 1,10).
Celebrar a festa de Pentecostes significava celebrar a descoberta de Deus durante o caminho. A esta festa os apóstolos participaram; da Galiléia onde haviam retornado e de onde Jesus os havia enviado ao mundo na sua Ascensão, foram em peregrinação rumo a Jerusalém. Mas aquela peregrinação não foi como as outras de suas vidas. Se no coração dos antigos pais a alegria da libertação se misturava com o medo do incógnito da viagem, tanto mais estes sentimentos se faziam presentes para o novo, pequeno, tímido ”Israel de Deus”: o povo que o Senhor havia adquirido com seu sangue.
Qual seria, para este novo Israel, a Igreja do Senhor, o sentido de uma peregrinação a Jerusalém? Qual seria o deserto pelo qual o Senhor Ressuscitado os conduziria? Os antigos pais tinham Moisés à sua frente, mas o que estaria à frente dos Apóstolos, para onde iriam dirigir seu olhar? Perguntas sem respostas. Nunca Deus nos dá respostas antes de empreendermos a viagem para a qual nos convida. As respostas se descobrem somente ao longo da mesma viagem: o nome de Deus é Jahvé...
Inicialmente –como nos descreve o Levítico - a Pentecostes era a festa do agradecimento pela colheita, mas, na época de Jesus, esta festa já estava adquirindo uma nova fisionomia. È dentro desta nova fisionomia que podemos compreender melhor o significado da solenidade que hoje celebramos.
Israel inseriu esta festa como uma etapa de todo o caminho da salvação. Deste modo a carregava de um sentido dinâmico ligado a todo o projeto de Deus. Especificamente se começou a dar ênfase ao “dom da Lei”, das dez palavras de Jahvé, através das quais Ele faria de Israel o seu povo, um povo consagrado a fim de que as nações pagãs pudessem conhece-Lo. Era, então, a festa da Aliança baseada sobre a Lei.
Sendo assim é fácil compreender a riqueza de sugestões espirituais e teológicas que a narração de Atos nos oferece. Àquela festa, Lucas deu novo significado.
Infelizmente Jesus havia experimentado sobre a própria pele quanto a Lei é insuficiente por si mesma; sentiu o drama de quem é violentado pela Lei que freqüentemente é usada como instrumento de poder, desculpa para interesses, justificativa para se acomodar... Paulo chama esta situação: «maldição da Lei» (Gal. 3,13). “Maldição” porque e lei não é capaz de gerar amor. Porque a lei nos indica o que é certo e o que é errado e fazendo isto nos dá limites, mas o amor não tem limites entre os quais agir. A regra é capaz de apaziguar a nossa consciência dizendo-nos qual é a nossa obrigação e até onde vai... mas onde há obrigação não há amor.
A festa de Pentecostes estava apresentando uma nova Lei, sendo enriquecida com a potência do amor, o Espírito que dá a vida e não deixa o homem definhar em limites. Definitivamente o Senhor estava levando às últimas conseqüências a Aliança num decisivo gesto já almejado pelos profetas, os sonhavam com uma aliança renovada. Nesta nova aliança o que contava deveria estar implantado no coração da pessoa, na sua relação amorosa com Deus, no sentimento de perceber-se “na presença da pessoa amada”. Era a aliança no espírito, regida pela sintonia do coração e não por uma leitura interesseira da Lei. «Esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: imprimirei a minha lei em seu coração; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo» (Jer, 31,33); e ainda dizia Ezequiel: «Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne» (36,26). Era este o desejo de Deus: a consagração do coração das pessoas quando por causa de uma amor experimentado e vivido ao longo de um caminho trilhado juntos. A Lei não dá a força de amar, enquanto a relação com Deus for baseada sobre o “certo e errado” saberemos somente se estamos no “certo ou errado”. Sentir a presença do amor dá a força de amar. Isto é o que vinha oferecer Deus pelo seu Espírito. O dom do Altíssimo ao seu novo Israel nada mais seria do que sentir definitivamente presente, discreto e suave como o respiro de alguém que nos abraça, o seu Filho em ato continuo de caminhar junto, para espalhar o amor de Deus à humanidade. Aquele Pentecostes foi a definitiva Aliança, baseada sobre o amor dado até o sangue.
Era a força de amor, a mesma que havia permeado a vida de Jesus, que o Senhor estava entregando à sua pequena comunidade, ao Israel da nova Aliança, a fim de que junto com a Palavra do Pai esta tivesse a força para transformá-la em vida. A partir daí os limites da lei seriam rompidos pelo poder do amor. Um poder que é a todos compreensível, uma “linguagem” que fala todas as línguas; que, como o fogo, enquanto permanece sempre igual a si mesmo é distinto e identificado em cada chama, em cada pessoa, no respeito da história, da cultura, da sensibilidade.
Aquele Espírito de amor que moveu Jesus a cada passo estava pronto para conduzir a nova e última etapa da história do homem com Deus. Um novo Israel estava empreendendo a definitiva viagem rumo à comunhão, que é liberdade verdadeira, que é realização plena oferecida a todas as nações.

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